Se Bolsonaro não mais governa, como fica o panorama político do Brasil? O governo migrará da extrema-direita para a centro-direita? De que adianta? É direita do mesmo jeito. E direita (extremista ou não) é reacionária, odiando o menor arremedo de avanço sócio-econômico das classes menos favorecidas. Então nada muda nos campos econômico e social.
No campo político, como se portarão os fiéis sectários do capitão? Seguirão a equipe ora de fato governante com a mesma fé cega que devotavam ao seu combalido líder? Ou irão se espalhar por diversas outras correntes reacionárias, autoritárias, odientas, moralistas, preconceituosas, antiecológicas, protestantes-fundamentalistas, até que um novo líder surja com as mesmas ideias do seu ídolo? Não importa: eles continuam sendo cinquenta e sete milhões de brasileiros que mostrarão a cara de novo. No futuro outros bolsonaros virão, e tenho certeza disso.
E a política ambiental? A grilagem continuará em passos largos por matas virgens e reservas indígenas e/ou ambientais? Continuarão os massacres aos índios e aos animais selvagens? Ricardo Salles continuará chamando o Greenpeace de "Greenpixe" e a insinuar que a entidade degrada nossos mares? Ou o ministro do Meio Ambiente dará lugar a um outro com mais jeito de bom-moço, mas com intentos e projetos iguais?Lembrem-se de que Mourão disse ainda em campanha que no seu tempo "não existia Ibama pra encher o saco". D'onde deduzimos que nesta área as diretrizes continuarão as mesmíssimas.
E na Educação? Teremos um ministro que não responda a processos de "kafta" e conheça melhor a ortografia? Pode ser, mas os planos para a Pasta serão os mesmos.
Nada muda: os duzentos empresários de extrema-direita que ajudaram a eleger Bolsonaro, quando o fizeram, colocaram não um só homem, mas todo um sistema no poder.
Em suma, fica tudo como dantes no quartel D'Abrantes. Só uma coisa muda: A Globo faz oposição a Bolsonaro, não à equipe que ora segura as rédeas do poder. Ou seja, Paulo Guedes e cia. terão muito mais conforto pra se espalhar sem as emissoras globais em seus calcanhares. E, após contagem de quantos sobreviverão ou sobreviveremos ao coronavírus, toma reforma, reforma e mais reforma(!), todavia nenhuma delas em prol de quem vive de salários ou não exerce autoridade.
Nenhum progressista (e falo progressista, não socialista ou esquerdista, porque socialismo é só utopia, assim como o título da obra de Thomas More, que criou em seu imaginário uma ilha onde todos os habitantes viviam em condições igualitárias. E uma tentativa de estadização dos meios de produção, nos dias de hoje como sempre, só levaria a nação a distúrbios os mais severos, a uma guerra fratricida e a um derramamento de sangue deplorável. É melhor lutar pelo palpável, e o palpável é não tentar sair do infelizmente inevitável capitalismo, mas dar-lhe uma feição mais humana, em que o governo seja obrigado a garantir às classes menos favorecidas direitos fundamentais como saúde, educação, segurança, habitação, benefícios trabalhistas, salários dignos do nome, alimentação e oportunidades de ascensão social.
Para isso é preciso que a sociedade esteja unida em torno não de um nome, mas de um projeto sócio-político que vá além das retóricas de campanha. Os homens têm de se curvar aos projetos e abnegar de suas ambições pessoais de poder ao invés de colocar os projetos num plano secundário em relação a si próprios.
O Brasil não é o país de Lula, Ciro Gomes ou quem quer que seja. É o país que precisa elaborar um plano de governo que atenda aos anseios de toda a sociedade, não só do cume da pirâmide social. Precisa encontrar rumos fora do populismo de direita ou de esquerda. Não é difícil encontrar o caminho, mas o caminho começa pelo voto, e, ironicamente, após vinte anos de ditadura, é justamente o voto, quer para as casas legislativas como para as chefias do poder executivo, onde a população mais insiste em cometer erros capitais.