O pai de Carmelo Piroga tava indignado. Que história era aquela mais estranha de o filho, depois de ir trabalhar na prefeitura da cidade, resolver virar puxa-saco daquele prefeito famigerado das unhas, virando uma espécie de boneco daquele cabra ruim que nem o Demo?
A família se reúne, cada um espichado no seu canto da sala, e espera o filho degenerado chegar. Logo esse adentra o cômado e se assenta bem no meio de todos, cabisbaixo, murcho que nem só, já com os cornos meio vermelhos. Sem muito rodeio e nenhuma enrolação, Ornan, o pai, conhecido nas redondezas como Ornan Malheiro, procede logo ao início das interrogações:
--Escuta aqui, seu cabra fio de uma égua, que conversa é essa de você tá ajudando esse cabra safado desse prefeito a fazê o diabo aqui nessas banda?
O tio Ilmar Assis, no mesmo momento, alerta o sujeitinho acabrunhado e com ar de cachorro que mijou no sofá:
--Ói, meu fio, tu tem que dizer a verdade, tá sabendo, né? por mais que doa, tu tem que dizer a verdade...
--Mas tio, inté já esqueci qual foi a pergunta...
Ao que o pai reage com um berro:
--Tu tá ou não tá ajudando esse prefeitinho filho do capiroto a fazer o diabo aqui nesta cidade?
--O prefeito da cidade, paim? -- o sonso tentava ganhar tempo.
--É, seu nojento!!!!!!!!!! Qem mais havera de ser?!!!!!!!!!!!!!!!
--Mas, paim, a mim num cabe imiti juízo de valor...
--Responde, seu pulha!!!!!!!!! -- Ornan não aguenta e se exaspera de vez.
O tio até volta a intervir:
--Meu fio, entende bem: aqui é pra dizer a verdade...
--Mas eu tô falando a verdade, tio...
--Mas ocê num falou nada...
--Pois é, mas num menti, sinhô meu tio.
O pai se levanta, agora soltando fumaça pelas ventas que nem touro chucro ou maria-fumaça:
--Eu vou é arrebentá esse fela duma égua vagabunda dos inferno!!!!
O tio se levanta e contém o irmão furibundo, segura ele com a força, que nem sucuri enroscada na presa.
Aí o primo, Márcio Robério, também puxa-saco daquele prefeito parido das entranhas de uma chocadeira, resolve intervir só pra atrapalhar o interrogatório:
--O sinhô num pode falá assim com ele, não! Só quero que me arresponda quem é o sinhô pra isso!!
E aí ganha o apoio do outro primo, Ednardo Voltão:
--É isso aÍ!! Com que artoridade cê acha que pode obrigar o Carmelinho a dizer o que não quer?!
--Ué? -- defende-se Ornan -- Mas ele jurou dizer a verdade.
--Mas a verdade é ralativa! -- tornou o tal do Márcio Robério.
Ornan levantou os braços, desesperado:
--Cês tá aqui é para atrapalhar, tá é de complô contra mim!
O tio Ilmar Assis consegue acalmar os ânimos e tenta ele próprio fazer uma indagação ao sobrinho:
--Fio, cê sabe que prometeu dizer a verdade. Por isso eu quero que me arresponda um questionamento: é verdade que tu taria, pelo teu chefe, exclusivamente pelo bem do teu chefe... é verdade que tu taria até disposto a sentar no preto colo, na clara esquina?
Ornan Malheiro arregala os olhos, quedado de indignação co'aquela atitude de escorregação do filho, o coração disparado que nem um vibrador desembestado, de novo é seguro pelo Assis, mas ainda assim dispara:
--Seu cabra miserave, diz logo de uma vez!!!! Tu é capaz de sentar no preto colo da clara esquina?!!!!!!!!!
Carmelo levanta os ombros:
--Oxe, pai, nem sei se ele quer isso.
--Mas ele sempre quis que as pessoas sentasse no colo do Benedito da Nigéria e que pra isso escolhesse a clara esquina, esquina mais alumiada dessa cidade, seu cabra fraco da peste!!!!! Tu é uma cabra fraco!!!! Abestado!!! Mole!!!! Tu é um Piroga mole!!!! Um Piroga frouxo!!!! Um Piroga sem força, desses que enverga à toa!!!! Antes de tu minha famia nunca teve Piroga mole, seu nojento!!!! -- bradava o arretado Ornan enquanto tentava se desembaraçar dos braços firmes do irmão Ilmar, cabra forte e firme feito maçaranduba.
Um outro tio moderado, Nórton Além-Mar, ainda tentou que o sujeitinho respondesse alguma coisa:
--Carmelo, todo mundo sabe que esse negócio da clara esquina é verdade, mas o que nós quer saber é se tu, caso ele te proponha essa vergonha... se tu tá de acordo, meu filho.
--Tio, sinceramente, a mim num cabe imiti juízo de valor sobre isso...
Foi uma doideira de alienista nenhum dar conta, sô! Ornan já tava a ponto de sair no braço com Assis, tamanha a arretação que o filho molenga causou. Não demorou e a reunião acabou, Márcio Robério e Ednardo Voltão se rindo feito duas hienas pinguças, festejando a atitude de peixe ensaboado do primo, Ornan Malheiro saindo arrastado pelo tio Ilmar Assis, que na saída olhou atravessado pro sobrinho e falou num jeito bastante aperreado:
--Só segurei teu pai pra apaziguar, mas tu merecia mesmo é uma surra de couro cru, de rabo de arraia e outras coisas mais.
Nórton Além-Mar saiu balançando a cabeça, indignado com aquela situação vexatória, fazendo uma cara de jiló danada pro ex-interrogado.
Quando todos saíram, Carmelo Piroga levantou os ombros e braços, e indagou a si próprio:
--Oxe, o que foi que eu disse pra essa gente ficar tão aperreada?