Antônio Conselheiro, definido por Euclides da Cunha como um louco tal qual qualquer profeta bíblico, arrebanhou indigentes, miseráveis, desempregados, homens errantes e gente sem nenhuma perspectiva de uma vida melhor, e levou todos a uma aventura suicida contra o sistema de governo republicano. As tropas que o líder político-religioso recrutou impuseram várias derrotas às forças enviadas pelo governo de Prudente de Morais, só sendo massacradas após uma pequena série de embates dos quais haviam saído vitoriosas. Um requisito turvou a visão dos seguidores de Conselheiro (morto em circunstâncias desconhecidas treze dias antes do fim do conflito): a fé.
Em 1933 Hitler assume o poder na Alemanha e faz do povo alemão seu seguidor incondicional e cego. Perseguiu e humilhou judeus, comunistas, ciganos, negros, povos considerados por ele nâo-arianos, martirizando seis milhões de pessoas até a morte, nos campos de concentração. Sua política imperialista, cruel e genocida levou o mundo à Segunda Guerra Mundial, e o país germânico, cegado pelo seu discurso inflamado de ódio e suas promessas de glória, rendeu-se em 1945, pagando caro o apoio a uma empreitada tresloucada e perversa, que tinha como objetivo primordial atender aos caprichos insanos de supremacia do "führer". Mais uma vez a fé mostrou o o quanto podia ser nociva.
Em 1978, na cidade guiana de Jonestown, o demente líder religioso Jim Jones levou mais de novecentos dos seus seguidores a um suicídio coletivo, e a história registra que quem não se matou foi assassinado pelos outros membros da seita. Ele próprio matou-se, por profundo desequilíbrio emocional, enquanto os outros morreram por uma motivação muito incidente: a fé.
Em 1997, fanáticos em torno de cinquenta da seita Porta do Paraíso, nos Estados Unidos, também mataram-se motivados pela fé no seu líder.
Em 2001, membros da Al-Qaeda lançam três ataques contra alvos americanos, atirando-se de aviões contra o World Trade Center, matando mais de quatro mil pessoas. Eram talibãs e fanatizados por Osama Bin Laden, homens que acreditavam que que a matança suicida consuzi-los-ia ao Paraíso, onde um grupo de por volta de umas cem virgens estaria à sua espera. A fé foi o motor encorajador e incentivador de novo.
A natureza religiosa acompanha o homem desde os seus primórdios. A humanidade já adorou elementos da Natureza, astros, estrelas, planetas, entidades cuja existência não me cabe agora questionar, mas o fato é que tudo no Universo deveria ser passível de análise e questionamento. Quando se parte para a adoração, a veneração, passa-se a ser irracional e perigoso. Porque esse modo de lidar com a crença leva à irracionalidade, e a irracionalidade abre caminho para o afloramento dos maus instintos de todos nós.
A fé religiosa e a fé política se confundem profundamente, por terem muita semelhança: em ambas se segue um líder místico ou do mundo político, que valem-se de tal poder e prestígio para manipular seus fiéis da forma que melhor lhes convenha: o que pode provocar guerras, mortes, crises e outras tragédias, além de sequelas irremediáveis. O que muito me impressiona é a fé desportiva ter sua participação nada desprezível nesse contexto -- porque há torcedores que se portam como fanáticos religiosos ou partidários.
A prova de que a fé pode ser perniciosa é que, quando o PT vivia momentos de execração por atos de corrupção de alguns de seus membros ou pessoas ao partido ligadas, a quase totalidade dos petistas começava a manifestar ou atos de truculência, ou de intransigência contra críticas e manifestações contra a agremiação. Da mesma forma existem hoje grupos bolsonaristas dispostos a praticar crimes e chegar às últimas e mais drásticas consequências para defender e preservar um líder inconsistente, despreparado, desprovido de conteúdo e extremamente nocivo ao meio ambiente e imperdoavelmente alheio a toda a destruição causada aos humanos pelo coronavírus nesta atual crise sanitária.