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sábado, 24 de abril de 2021

MEU VERSO

Meu verso é um canto ardente de vida e de morte,

É lassidão, quietude, tristeza profunda,

É dor aguda e calada furando no peito,

É uma alegria vibrante a vestir fantasia

E a mergulhar nas folias sem siso dos carnavais.

É Sharon Stone cruzando as pernas,

É Macunaíma a destilar pilantragem.

É bêbado triste a prantear nas esquinas,

É violeiro dedilhando modinhas,

É vida  brotando, florindo, a  dançar

No canto divino dos canários, pardais...

Meu verso é o ódio a queimar corações,

É o amor a afagar como a brisa em manhãs.

É o macho que adentra as entranhas da fêmea

Numa gana de gato, de cão, de leão,

Sussurro macio dos córregos brandos,

É noite silente e quieta de paz.

Meu verso  se faz dos quatro elementos:

Da terra, do fogo, da água e do ar;

Em si traz o cobre, o ferro, o carvão,

É bicho e é planta,  é também mineral.

Das substâncias do mundo, de todas, de todas,

De todas, todinhas é feito o meu verso.



DOS POEMAS QUE FAÇO III

 Eu faço poemas como quem solta a voz

Com todas as dores, amores, alegrias e afãs,

Todas as ganas do peito palpitante a cantar.

Eu faço versos como quem grita numa lira demente

E tenta espalhar essa lira fervente por todos os becos,

Por todas as  ruas, por todas as luas, por todos os céus,

Por todas as tardes, por todas as noites, por toda manhã,

Por todos lugares, por todos os mares, por todos os mundos, enfim.


AQUELA QUE ME REPUDIOU

 Aquela que repudiou há de estar muito longe,

A milhões de anos-luz da minha cidade,

No Paleolítico ou incontáveis  milênios à frente,

Mas equidistante no espaço e no tempo,

Num ponto inacessível de nenhum corpo poder alcançá-la.


Aquela que me repudiou há de estar tão inatingivelmente distante,

De sequer a memória poder encontrá-la

E o arranhão do meu coração cicatrizar-se de todo.


Há de estar em mim tão morta, remota, esquecida,

Que, se um dia avistá-la, eu apenas me diga:

Quem será essa criatura cinzenta,

Tão sem cor e sem luz e sem graça,

Que os olhos  cansaram do breve segundo que a  fiquei a fitar?


segunda-feira, 12 de abril de 2021

A MORTE DA POESIA II


 A poesia está morta, morta como nunca se viu, 

Esmagada pelo afã da luta dos homens

Por um lugar ao sol ou por motivos torpes,

Trucidada pelo pragmatismo do mundo sem lira

E a pandemia que assola o planeta e sobretudo o Brasil.


Não há mais seresteiro emocionado

A cantar seus lamentos de amor.

Não há mais violeiros nas ruas 

Dedilhando serenatas ao luar.


Não mais o navio a partir 

Sob o pranto de uma amada no cais. 

Não há mais ternura nos olhos

Dos amantes numa mesa de bar.


Não há mais brincadeiras de roda,

Nem meninos brincando de heróis.

Não há mais a quimera bonita

Nos projetos juvenis sem juízo.


Nem há mais o olhar de tristeza

De poetas piegas em versos

A lamuriar suas dores de amor.

Não há mais silêncio noturno

A encher as almas de suave canção.


E agora, poetas, calamos?

Se a poesia ficou anacrônica, 

Partimos então para a crônica?

Ou fazemos estrofes sem vida,

Sem lira, sem cor e sem dor?


Barão da Mata


[Apenas um aviso aos críticos de plantão: "morta como nunca se viu" é apenas um realce da expressão, pois morte é morte, e não há como algo estar menos ou mais morto, ou mensos ou mais intensamente morto]


ANTÍTESES (CAPITULAÇÃO)

 Ah, desculpa o mau jeito, querida:

Se te disse palavras tão duras,

É que foi tão demais a bebida,

É que foi tão de menos o afeto

Que me deste e me fez tão vulgar.



Os meus beijos te foram tão quentes,

Os teus olhos me foram tão frios;

Os momentos pra mim foram lira,

Mas pra ti foram ferro e cimento.

Ah, me conta por que fui à Lua

E por que não saías do chão.


Eu me dei a falar poesias,

E dizias dinheiro era tudo.

Ah, perdoa se fui tão amante:

Te perdoo se foste broxante.

Ah, mulher, me perdoa, que eu mudo

E me amoldo ao teu jeito distante.

Eu te levo a beber em Iguaba,

Peço caldos e até camarão,

E te faço sentir uma dama

Das que moram diante do mar.


É que tua boca me endoida,

Tuas coxas, meu Deus, ai, me matam!

O teu rosto bonito me encanta,

Teu corpo me faz delirar.

Ah, morena, nasci pra te amar!



[Esse poema é uma letra de samba que fiz para Marcelo Bizar, parceiros de tantas músicas, colocar uma melodia de samba.  Assim que ele musicar, divulgarei a canção]


sexta-feira, 9 de abril de 2021

BRANQUINHA

Vem pra mim, Branquinha, que te quero:

Vi um sonho se acendendo nos teus olhos

E me dei, encantado, a te sonhar.



Vem, Branquinha, que inda é tempo de viver,

E a vida cantará de novo em festa,

Em seu samba, sua dança, sóis e cores.



Vem, Branquinha, tornar música os meus dias.

Quero viver de poesia novamente,

Voltar a ouvir cantar os querubins.



POESIA FUNÉREA

 Parti pr'uma cidade mineira bem distante,

Sem deixar olhos marejados de saudade,

Sem poema nem canção de despedida,

Sem dilacerar meu peito na partida.


Olhei para a frente, para a frente tão somente,

Num afã de mergulhar em vida nova,

Mas, além destas paredes, é a morte o que me espreita,

E me contenho, amargando a escuridão do medo,

Alma prostrada, inerte, em lassidão.


O maldito mor e seus malditos companheiros,

Tumores todos purulentos dos infernos,

Fizeram deste sítio um desmedido cemitério,

País funesto, a peste a se espalhar pelas cidades.


É triste por demais esta clausura

Que tolhe o corpo, fere a alma e que nos enche,

Do pavor, da apreensão e da incerteza

De se o amanhã pra nós existirá.