Não gosto de doutrinas porque elas tolhem o pensamento. Porque prentendem (e geralmente conseguem) que seus seguidores pensem de acordo com um modelo padronizado a ser rigorosamente obedecido. Assim ficam delimitados os campos da concepção de ideias, do discernimento, da criatividade, da visão sobre a vida e o mundo, da própria individualidade de cada um.
Digo-o hoje com muita propriedade porque durante vinte anos de minha vida pensei dentro dos limites dos padrões estabelecidos por ensinamentos de uma esquerda na qual não creio mais. Nunca militei ou me filiei a qualquer partido político, mas pensava como um socialista democrático, como se um dia no mundo algum país houvessse conciliado socialismo e democracia, como se o socialismo houvesse sido praticado de verdade e não fosse unicamente uma utopia que tornou-se objeto de manipulação de manda-chuvas autoritários, para que estes se locupletassem e abrissem para si e seus asseclas um verdadeiro paraíso de regalias com enriquecimentos obtidos por meio de vastíssimos oceanos de corrupção.
Nas religiões a forma de amoldar as ideias é bastante semelhante à da política. Assim como no socialismo há Marx (que nunca li) e outras publicações, a base das religiões cristãs, como o catolicismo, o protestantismo e kardecismo ( que é um espiritismo cristão, sim!) é a Bíblia com os seus evangelhos, cartilha que se deve seguir à risca. Em todas as religiões calcadas em Cristo há sobretudo uma obriogatoriedade intransigente de se crer em Deus. No caso específico do espiritismo de Allan Kardec (1804-1869), nunca ninguém aventou a possibilidade de o estudioso francês haver tido a necessidade de alinhar suas ideias à fé dos cristãos por receio de aquelas e ele próprio serem cruelmente pisoteados pela intolerante Igreja Católica.
Assim como ao Kardecismo, frequentei uma filosofia chamada Racionalismo Cristão, que vê Jesus como filósofo maior, mas não crê em uma entidade única a comandar o Universo com todas as suas galáxias e dimensões: em outras palavras, não crê em Deus, mas que uma infinidade de espíritos evoluídos imbuam-se da incumbência de ajudar e socorrer os humanos. Não é por isto, todavia, que tal filosofia que vejo como religião não obedece a uma doutrina tão lacrada a discussões e questionamentos como as outras.
O problema maior das doutrinas é que acabam, não sempre intencionalmente, abrindo espaços para que seu secto (ou parte considerável deste) incida na intolerância e nas práticas fundamentalistas, como acontece onde se vive sob os desígnios da fé comunista, como ocorre no Brasil, onde alguns grupos criminosos de protestantes atacam os adeptos de religiõeas africanas e de outras formas de espiritismo; como é onde se tem a presença de partidários do fundamentalismo islâmico e de atrocidades decorrentes deste. Este tipo de intolerância logicamente abriga três vertentes: uma que é verdadeiramente cega, irracional e defende a fé como defendesse Deus e própria vida, uma segunda, que não pretende mais do que manter os próprios privilégios e preservar a solidez da estrutura que a favorece, e a última, que reúne em si os dois quesitos.
Embora tenha mencionado os casos em que as ideologias e doutrinas têm desdobramentos mais graves, meu intuito é ocupar-me das situações mais prosaicas, em que o comprometimento do discernimento e da concepção do pensamento não provoca assassínios e tragédias. De modo que insisto em que a religiosidade não precisa obedecer a um parâmetro ou critério estabelecido. Da mesma forma como, apesar de não mais crer no socialismo (a não ser como utopia), defendo veementemente uma distribuição de renda mais justa e milhões de anos-luz distante deste neoloiberalismo demoníaco e perverso praticado no Brasil e no mundo. No Brasil, sim, porque os governos petistas são tão capitalistas quanto os pessedebistas, com a diferença de que os primeiros(petistas) são populistas. O país pode melhorar muito socialmente se os salários forem menos irrisórios, e os tributos, justos e permitirem uma carga maior sobre os ombros dos realmente abastados, se o Estado arcar com a saúde, a educação, a segurança, a infraestrutura de um modo geral, e com a liberação de verbas para uma política habitacional genuinamente séria, sem que isto implique na estatização das fábricas, comércios, dos meios de produção em geral ou mesmo do sistema financeiro. Haveria então mais justiça na divisão de recursos sem uma cartilha socialista (sem doutrina).
Em conclusão, embora a minha dificuldade (mas não impossibilidade) de crer na existência de algo além da vã filosofia entre o céu e a terra, não me sinto compromissado com minha condição materialista atual. Por isto, entre mil outras razões, penso que um ser humano não deve e não pode deixar suas ideias se restringirem às paredes do encarceramento intelectual que representam as doutrinas e ideologias.
Barão da Mata
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