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quinta-feira, 30 de outubro de 2014

COMENTÁRIOS ACERCA DO MEU ESTILO POÉTICO

Quando eu tinha uns 16 anos, ouvia na rádio uma modinha de cento e cinquenta anos (regravada, logicamente, e cujo autor infelizmente desconheço) que misturaava a 2ª  e 3ª pessoa do singular e tinha a seguinte letra:

Numa tarde linda,
eu me lembro ainda, 
no velho cais dourado:
sambando
eu via a moreninha,
batendo as tamanquinhas.
E eu, maravilhado
com seu requebrado,
quis sambar também.

Ó linda moreninha,
tu serás só minha,
tu serás meu bem.

A noite foi caindo,
lá no céu, surgindo, 
uma estrela brilhou.
A linda moreninha
foi-se requebrando 
e se retirou.

Maria,
Mariazinha,
Maria, satisfeito o seu desejo,
eu até lhe dou razão.  
Eu tenho meu amor a outras, 
mas não dou meu coração.
Meu coração eu não dou,
porque não posso arrancar.
Arrancando, sei que morro,
Morrendo, não posso amar. 


A simplicidade da linguagem e o cenário que a letra trazia me encantavam.  Ficava imaginando a moreninha,  em 1824, sambando no cais sob o céu estrelado.  Minha mente criava imagens com pessoas à volta, a algazarra,  a bebedeira, em tempos inteiramente diversos daqueles  em que eu vivia.   A canção me despertou o interesse para outras do mesmo estilo, com panoramas singelos e imagens poéticas simples e profundas.   Passei a gostar do lirismo com luar, estrelas, moça enamorada à luz da penumbra, varanda, jardim, casa desbotada,  juras de amor sussurradas,  violão tocando ao fundo.  E isto influenciou profundamente minha composição, e reconheço que meu lirismo sempre transitou dentro daquela mesmíssima atmosfera.  Por isto fiquei infinitamente chateado quando uma vez, numa comunidade do Orkut, fizeram uma crítica cruel ao meu trabalho de forma arrogante e com dizeres do gênero "renove seu estilo poético, porque seus versos mais parecem letras de músicas antigas, entretanto sem a poesias daquelas".   Fui extremanete malcriado na resposta, e o crítico e eu fizemos uma grande inimizade virtual a partir dali.  Embora tenha ele dito que eu estava sendo traído pela memória, a verdade é que sempre escrevi assim propositadamente, porque, como já disse, tais cenários sempre me comoveram.  
Voltando ao passado remoto, após MARIAZINHA, mais ou menos um ano depois, Geraldo Azevedo me despertou a atenção com CARAVANA

Corra
não pare, 
não pense
demais, 
repare essas velas no cais 
que a vida cigana. 

É caravana 
é pedra de gelo ao sol.
Degelou teus olhos tão sós
num mar de água clara.


Uma série de composições veio depois me encantar. Conheci LUAR DO SERTÃO, de Catulo da Paixão Cearense

Não há, ó gente, oh(!) não,
Luar como este do sertão...

Oh(!), que saudade do luar da minha terra,
Lá na serra branquejando
Folhas secas pelo chão.
Este luar cá da cidade, tão escuro,
Não tem aquela saudade
Do luar lá do sertão

Se a lua nasce por detrás da verde mata
Mais parece um sol de prata prateando a solidão,
E a gente pega na viola, que ponteia,
Ao cair da lua cheia
A nos nascer do coração

Se Deus me ouvisse
Com amor e caridade,
Me faria esta vontade,
O ideal do coração:
Era que a morte
A despcontar me surpreendesse
E eu morresse numa noite
De luar do meu sertão


Meu primeiro flerte fora, porém, ainda na infância com MENINA DA LADEIRA, de João Só
Menina que mora na ladeira
E desce a ladeira sem parar,
Debaixo do pé da laranjeira
Se senta pra poder descansar.

Silêncio profundo a menina dormiu
Alguém que esperava tão logo partiu, 
Partiu para sempre para o infinito,
Um grito ouviu

Chorando levanta a menina,
Correndo ligeiro sem parar.
Debaixo do pé da laranjeira
Há sempre alguém a esperar.
Violeiro tocando, estrela a brilhar
Violeiro em prece
Em prece ao luar.

Tal noite vazia espere a menina
Tão linda não, não vá.
Chorando levanta a menina
Correndo ligeiro sem parar.
Debaixo do pé da laranjeira
Há sempre alguém a esperar.


Se ainda no florescer da minha juventude gostei tanto destas músicas e de tantas incontáveis outras letras no mesmo estilo, que poesia lírica poderiam esperar de mim?
É inegável que meu poema, com o tempo, ficou repleto de luares e estrelas, manhãs e noites, enamoradas à luz de penumbra (acho "enamorada" uma imagem poética belíssima! - de uma carga lírica que faz já da palavra em si uma poesia), e hoje, vendo os outros poetas -inclusive da MPB -  abandonarem ou ao menos afastarem-se dos poemas com cenários compostos por astros, estrelas e paisagens, pressuponho que meus escritos sentimentais vão ter de trilhar outro caminho, muito embora já tehha muita coisa escrita (mas ainda não divulgada) dentro do estilo que me influenciou.  Em outras palavras, dentre meus  futuros poemas muitos ainda serão publicados com o mesmo aspecto que sempre caracterizou meu modo de escrever.   
Depois a minha criação será compelida a tomar outra feição, por conta de não mais existirem ruas descalças e moças de pés no chão, por conta da urbanização dos logradouros e da predominância da tecnologia, do espírito prático dos dias de hoje e de uma série de outros fatores que mudaram radicalmente o aspecto da poesia, tornando a  contemporânea muito diferente da que se compunha nas décadas passadas. 

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