Estava ali, deitado, prostrado, no quarto refrigerado, acompanhado da enfermeira, vivendo seus derradeiros dias.
- Quer alguma coisa? - a profissional indagou.
Limitou-se ele a gesticular um "não" com um dedo.
- Vou prepoarar os remédios pra daqui a pouco - ela avisou e saiu.
O homem ficou a reletir: estava sozinho, sem uma mulher que lhe segurasse as mãos com afeto, que lamentasse o crepúsculo de sua vida. Tinha apenas uma enfermeira, fria, serena, atenciosa, mas profissional. Não mais que profissional. Não mais que cumpridora dos deveres. E onde carinho nos seus últimos tempos sobre a terra?
Casara-se algumas vezes, mas não tivera exatamente o perfil de um homem casado. O passado lhe vinha à mente: esbórnias, orgias, mulheres, traições. Usara muitas mulheres. Muitas mulheres o usaram.
Bebedeiras, a visão da aurora de dentro dos bares, os motéis, cigarros, bebidas, mulheres diversas, mas nenhuma amiga, companheira, solidária, exatamente a que faltava naquele momento. Sabia de uma que poderia estar naquele momento a seu lado, os olhos lacrimejados, o inconformismo estampado no semblante, porque o amara de verdade. Mas agora já há muito se fora o amor, esmigalhado pela inquietude da alma do homem, o desregramento e a turbulência dos dias. Havia uma outra que achava que também poderia estar por ali, também chorosa e inconformada. Mas não quisera ele ficar com ela, não lhe tivera paixão ou afeição, fizera-a de brinquedo e a mantivera como namorada por poucos meses. A outras se entregara de corpo e alma, mas não recebera o amor em troca. Nenhuma daquelas últimas, sabia, naquele momento estaria ali. Não o quiseram e o menosprezaram, queriam-no por apenas algumas conveniências que ora não entendia bem. Umas outras ainda foram nulas, casos sem nenhuma relevância, nenhuma importância, só mulheres que passaram em branco por sua existência.
Pensou em si mesmo e apertou os olhos. Nem filhos quisera ter. E não os teve.
E agora não tinha ninguém ao seu lado que o amasse, que lhe chorasse a morte iminente. Tinha apenas uma enfermeira. Era sozinho e morreira sozinho. Acompanhado apenas de uma enfermeira.
Contudo ficou a considerar a questão. Se tivesse ficado com uma mulher que um dia o amara e agora não mais, teria sido um tédio insuportável envelhecer ao lado daquela, num dia-a-dia insípido e totalmente desprovido de emoções, de sensualidade, de desejos ardentes, de aventuras e daquele ardor que envolve as grandes conquistas e paixões. Uma mulher envelhecendo ao seu lado, os dois sentados a um sofá nos finais de semana, assistindo a notíciários e novelas, a rabugice tomando conta de ambos, a aposentadoria e a obrigação de comprar pães todas as manhãs, pequenas compras todos os dias. As reclamações da mulher pela eventual má qualidade de algum artigo comprado.
Mesmo que tivesse sido correspondido por alguma daquelas que quisera de verdade, como teria podido conter a corrosão do tempo sobre a poesia, o fogo e a entrega tresloucada das paixões? O tempo faria paulatinamente de todo o fogo uma mesmice, um tédio intragável,
uma mononotonia sem tamanho, um eterno desejo de estar nos bares, nas boates, nas aventuras da noite, ou então que a alma se domasse e aquietasse de um modo que tornasse a vida absolutamente cinzenta.
Tivesse sido um homem afeito ao casamento e agora teria uma velha chata e chorosa diante de si, rememorando os momentos tediosos vividos por ambos como fossem as mais emocionantes aventuras, as mais magníficas emoções.
Não lhe veio o arrependimento nem a lágrima. Considerou longamente o assunto, não se arrependeu de, pelo modo como vivera, agora, velho e moribundo, estar sozinho. Se então estava velho e sem amigos, sem mulher, enquanto tivera forças, tirara proveito do melhor que pudera do mundo. Vivera a vida intensamente, porque sempre fora intenso e por isto não mais que a verdade de si próprio. Abriu, semicerrou e reabriu os olhos, recebeu os remédios da enfermeira.
Morreu naquela madrugada, cônscio de que vivera da maneira que achara melhor para si.
2013
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