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sexta-feira, 5 de junho de 2020

A MULHER DO GOMES


Em plena quarta-feira, início de semana, primeiro e único dia de trabalho, a secretária bate à porta do gabinete do deputado Jonas Pereira Jojoba:
-Deputado, Há um senhor Antônio Anta Gomes querendo falar com o senhor.
Jonas coça a cabeça, um tanto contrariado: 
-E você já disse que eu estou aqui?
-Ele me disse que viu quando o seu carro chegou.
Jonas volta a coçar a cabeça:
-Eu podia perfeitamente mandar você dar uma desculpa, pra eu me livrar desse cara, mas acho melhor atender logo, que aí eu me desembaraço dele de uma vez por todas.  Pode mandar entrar.
A secretária obedece, entra um homem tímido, ar meio macambúzio:
-Com licença, Excelência.
-Pode sentar, meu amigo, fique à vontade.
Depois dos cumprimentos e rapapés de praxe, Gomes entra no assunto:
-Eu vim aqui, doutor, porque as coisas andam meio difíceis: fui rebaixado lá na empresa onde trabalho e, como o senhor tinha me prometido, quando trabalhei em sua campanha, um emprego no seu gabinete...
-Pois é, Gomes – levantou-se Jonas -, eu prometi, mas nem sempre, infelizmente as coisas correm conforme o pretendido e planejado.  Lembro-me de que você foi cabo-eleitoral em minha campanha e reconheço os seus relevantes serviços prestados. No entanto, pressões de alguns setores injustificadamente avessos ao meu trabalho nesta casa legislativa me impedem de dar emprego a mais alguém, porque divulgam de forma vil e abjeta que superlotei o meu gabinete com funcionários, quando não fiz mais do que reconhecer meus laços de gratidão e de amizade com um número substancioso de pessoas, gesto aliás de quem tem inúmeros fiéis amigos, e por isso ficam dizendo que criei um cabide de empregos.  Desculpe-me, meu amigo Gomes, mas esse é o motivo de eu não poder atender ao seu mais do que justo pedido.  Esperemos que o tempo passe, meu bom amigo, e, tão logo parem de me perseguir, eu farei contato convocando-o para que  participe desta verdadeira frente democrática de trabalho que é o meu gabinete. - e estendeu a mão ao outro para um aperto e também para dispensá-lo.
Como o Gomes não era dado a insistências,  resignou-se, constrangido, despediu-se do deputado, a cabeça sempre baixa, Jonas deu-lhe uns tapinhas nas costas e o despachou delicadamente.
Depois da ida de Gomes, o político chamou a secretária:
-Sra. Daniela!
A moça entrou no gabinete:
-Pois não.
-Peça à recepcionista pra dizer que eu não estou, para não nos chamar em hipótese nenhuma, tranque a porta e depois volte, porque precisamos conversar.
A moça fez tudo o que o chefe mandou, postou-se diante dele, repetiu:
-Pois não.
Ele foi direto:
-Tira a roupinha toda, querida, que eu tô danadinho de desejo.
Ela sorriu, e a coisa pegou fogo em cima da mesa do Exmo. Deputado.

                                              

                              
   2
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A senhora Paula Samira Gomes, membro do grupo de casais de uma igreja,  encarregada de organizar festividades e palestrante em algumas ocasiões,  orientava alguns noivos sobre comportamento conjugal
-Gosto sempre de citar Ruy Barbosa, que dizia que “a pátria é a família amplificada, e a família, divinamente constituída, tem por elementos a honra, a disciplina, a fidelidade, a benquerença, o sacrifício. É uma harmonia de vontades, uma desestudada permuta de abnegações, um tecido vivente de almas entrelaçadas. Multiplicai a célula, e tendes o organismo.Multiplicai a família, e tereis a pátria”.
“Pode tal citação parecer maçante, mas gosto sempre de repeti-la pra deixar bem clara a importância da família: vejam bem: a família é como uma das células que compõem o país, por isto os casamentos precisam dar certo, as famílias precisam ser sólidas e bem constituídas, e essas coisas se obtêm a partir do respeito mútuo, da fidelidade, da solidariedade, do amor entre os membros da família, amor este que se inicia entre o casal, de modo que o casamento não se dilua e nem tampouco a família.”
À noite a senhora Gomes chegou a casa, encontrou a filha macambúzia no quarto.
-O que houve, Paloma?  Aconteceu alguma coisa no colégio?
Após longa insistência, a menina fez a revelação bombástica: estava grávida. 
-Mais uma vez, Paloma?! - reagiu a mãe – Ah, Senhor, Meu Deus, compadecei-vos de mim! Imagine se seu pai sabe que você não é virgem.  Imagine também se a vizinhança e nossos amigos também descobrem.  - balança a cabeça, num meio lamento: - Veja só: dezesseis anos e já vai ter que fazer  o segundo aborto.  Assim tua saúde vai embora.  Vou ligar hoje mesmo pro Dr. Heleno e marcar um horário pra você. 
O celular de Paula toca, esta vê o número, se espanta, sussurra para quem está do outro lado da linha:
-Depois a gente se fala. Eu tô em casa. Minha filha tá aqui comigo, meu filho ou meu marido pode chegar a qualquer momento, me liga amanhã.
Uma voz de homem responde:
-Mas a gente vai voltar a se ver ainda esta semana? Tô com saudade.
-Também tô.
-Como é bom fazer amor com você!!
-Tá, meu anjo, idem! Mas amanhã eu te ligo, tá? Um beijo. - desliga a mulher o telefone.
-Quem é, mãe? - indaga a filha.
-É uma amiga lá da igreja. Mas você não tá em condições de querer saber nada. Devia ficar de castigo, um mês trancada no quarto, por atentar duas vezes à honra da família e aos santos desígnios do Senhor e se entregado antes do casamento e, pior, não se ter precavido de uma gravidez em dois episódios.
Paula deixa o quarto da filha, encontra Mara, a irmã, na sala:
-De onde você veio?
-Ué? Tava fazendo compras.
-Já sei: esteve na farmácia, na padaria e na loja de conveniência.
Mara ri meio sem graça:
-Pois é, eu precisava comprar algumas coisinhas... 
-Interessante você ser tão frequente nessas três casas comerciais. Se não estou enganada, minha irmã, você vive de troca de olhares e flertes com o balconista da farmácia, o dono da loja de conveniências e o português da padaria.  Você acha que isso fica bem, Mara, se os três são casados?  Além do mais, não pense que eu não percebo que vive chegando a casa acalorada e se atirando em banhos frios.
-Paula...!
-Não, não diga nada.  Você tem três anos de separada e ainda não tem um namorado ou marido, um homem respeitável que viva com você uma relação abençoada e sólida.  Prefere ao invés disso ficar gemendo nas madrugadas sob os lençóis e se dar a paqueras com esses homens casados...
-Fala baixo, Paula! A Paloma pode ouvir...
-Então resolva logo esse problema.  Trate de ter um homem responsável para não ficar sonhando aventuras e se dando a imoralidades...
-Mas, Paula, não arranjei ainda esse homem, e é verdade que um fogo quase incontrolável me consome. Mas você, por seu turno, minha irmã, me parece mais resoluta, porque ou eu estou muito enganada, ou você já proporcionou alegrias inenarráveis aos três comerciantes.
Paula não se embaraçou:
- Bem, agora quem tem que falar baixo é você.
- O que me diz então, minha irmã?
 -Digo que é melhor encerrar o assunto porque a Paloma tá lá no quarto e daqui a pouco o Gomes chega.
E não demorou mesmo para o homem chegar, triste, lamentoso, quase choroso, e contar a entrevista que tivera com Jonas.
-Aquele sujeito! - irritou-se Paula – Um dos políticos que mais esbanja verbas públicas com cabide de empregos e corrupção e ainda tem a coragem de te recusar?!
Anda de um para outro lado da casa, ressaltando as “qualidades” do político, toma uma decisão:
-Pode deixar! Amanhã mesmo eu vou falar com ele!
-Amanhã, não – pondera o marido -, porque ele só trabalha às quartas-feiras.
-Então vou estar no gabinete dele na próxima quarta, de manhã bem cedinho.
-De manhã, não, porque ele chega à uma da tarde.
-Então, tá!  Vou estar lá na semana que vem , quarta, à uma da tarde, no gabinete dele.
-Mas e se ele não te atender?
-Vai, sim, meu amor! Pode ficar tranquilo: ele vai ter que me atender!
- Você acha?
-Tenho certeza.
- Você é tão resoluta, minha querida!  Como eu te amo e te quero!
Ela o beija rapidamente nos lábios: 
- Eu te amo, meu amor.

3

No dia marcado, como  prometera, Paula estava no gabinete do deputado.
-Que diabo...!  - ele resmungava com a secretária – Se o Gomes já é um porre, imagine a mulher dele.  Já falei com ele:  o que ela quer mais?  Mas vá lá, vá lá! Mande entrar.
Quando a moça entrou e Jonas a examinou com os olhos dos pés à cabeça, ficou deslumbrado com o que vira:
-Boa tarde, senhora!  Como vai?! Em  que posso  lhe ser útil?
Paula também se esmerou em simpatias:
-Tudo bem, deputado, e o senhor?  Seu gabinete é muito aconchegante.
-Obrigado, senhora – Jonas agradecia enquanto se erguia de sua cadeira e ajeitava uma outra para a mulher se sentar.
-Obrigado, Excia.
-Não seja por isso...
Após ambos se acomodarem, Paula inicia uma sessão de rapapés:
-Eu queria em primeiro lugar parabenizá-lo por ter se saído bem do processo da "Operação Lava-Gato"... e pela habilidade e competência com que o conseguiu.
-Ora, amável senhora, atribuo mais a habilidade e competência aos meus advogados, mas o feliz desfecho da história credito à justiça divina e mesmo à justiça dos homens, porque, lugar-comum ou não, é absolutamente  verdadeiro o adágio que diz que "a Justiça tarda, mas não falha".   
-Estou de pleno acordo, nobre deputado.
-Homens como eu, devotados à causa do povo, que lutam pelo bem-estar da sociedade e para construir um país melhor para esta, não merecem ficar encarcerados ou submetidos a linchamentos da opinião pública por motivos menores e sem relevância.
-Nada mais entristecedor, querido deputado, do que um homem como o senhor, que com tanto ardor abraçou a causa do povo, ser injustiçado. 
-Obrigado, minha bela e adorável senhora... Obrigado...
Paula fez uma breve pausa, ajeitou-se na cadeira, disse de um modo quase afável:
-Excelência – e colocou a mão sobre a do homem – o assunto que me traz aqui é o meu marido.  Não sei se o senhor sabe, mas muito me entristece ver o meu marido melancólico...
Jonas sentia um calor lhe vir às faces e um desejo tocar-lhe o corpo, enquanto os dois se falavam com os olhos fixos um no outro:
-Posso compreender, querida senhora...
-E foi assim que ele chegou em casa, uma semana atrás, após chegar de seu gabinete, onde veio para pedir um emprego.
-Lamento muito, linda e tocante senhora... – e a sua voz ia ficando macia e melodiosa.
-Nobre deputado – ela falava da mesma maneira – eu sei perfeitamente das suas dificuldades para colocá-lo a trabalhar neste gabinete – e acariciava a mão do homem -, mas não há nada, nada, absolutamente nada que o senhor possa fazer?
Jonas estava hipnotizado, desvanecido:
-Doeu-me o coração, senhora... doeu-me muito mesmo, senhora...
Paula fez um semblante de tristeza, passou a língua nos lábios e o olhou bem fundo nos olhos. Jonas prosseguiu:
-Doeu tanto, querida senhora, acredite...  doeu tanto... que passei a semana pensando no assunto e resolvi reconsiderar... não só  por razões humanísticas... mas também porque este gabinete não poderia prescindir a eficiência de um funcionário como o seu marido.
-O senhor vai, então, lhe dar o emprego?
-Não tenha a mínima duvida, minha senhora.
-Ah, mas muito obrigada!
-Não agradeça, linda senhora...  Ele o merece... Aliás, não só ele... 
-Não só ele...?
-É, irresistível, senhora. Isto quer dizer que o seu poder de iniciativa, a sua fluência e o seu desembaraço, o seu senso de  justiça, só encontrados nas pessoas de elevado caráter, todos  os seus atributos me levam, se me permite, a também convidá-la a fazer parte de nossa equipe, que, a senhora verá, é uma verdadeira família. 
Paula não pôde esconder o contentamento: abriu largamente os braços e festejou:
-Deputado!!! Mas quanta alegria o senhor nos dá com esse convite! A mim e ao meu marido! O senhor imagina a magnitude do  seus gesto por nós!
-Não, senhora, mas fico feliz por vê-la assim, tão esfuziante e tão cheia de alegria.
Os dois se agarram as mãos novamente.
-Isto pede uma comemoração! - ela sugere.
-A senhora me daria a honra de esta noite jantar comigo?
-Deputado, mas como o senhor é gentil!  Vou onde o senhor quiser!
-Mesmo?
-Mesmo... - ela, bem maliciosa.
-Com o seu marido ou sozinha?
-Sem o meu marido, Excelência!  Com o senhor estou com Deus!
-Assim a senhora me comove...
-Que bom! É uma alegria comover um homem como o senhor.
Olhos  nos olhos,  mãos nas mãos, uma fogueira dentro de cada um.
-Senhora?
-Sim?
-Pode me fazer um favor?
-Claro.
- Avise por favor na outra sala que não quero ser incomodado e depois tranque a porta?
Ela lhe atendeu e depois voltou a sentar-se diante dele, olhou-o profundamente, com um olhar bastante malicioso:
- E agora, Excelência? O que deseja que eu faça?
- Desejo começar a nossa comemoração agora mesmo, senhora, antes de irmos jantar.
Paula mordeu os lábios e respondeu:
- Por falar em desejo, deputado, é exatamente o que sinto agora.
Jonas sorriu, apontou o sofá:
- Vamos ficar ali, minha ilustre senhora, e se ponha despida como veio a mundo.
A mulher não titubeou:
- Faço-o com o maior prazer, Excelência...
Deitaram-se no sofá, despidos.
- Sinto-me fervente, senhor, e algo igualmente quente invade meu corpo: é o seu eminente pênis de deputado.
- Que adentra sua respeitável vagina de veneranda mãe de família.

4


Naquela mesma noite o Gomes e Paula festejaram com os amigos.  A casa se encheu de convidados, maridos e esposas, umas  dez pessoas cirulando para lá e para cá.  Serviram uísque, vinho,  cerveja, champanha.
- Essa mulher só me dá motivos de orgulho. - dizia o Gomes enquanto a beijava no rosto.
Os amigos concordavam, parabenizavam o casal.  Tão concordantes estavam com o anfitrão, que, no momento de parabenizar o casal, um dos homens, num gesto de pura comoção exacerbada, não se conteve e apertou furtivamente a bunda de Paula.
- Contenha-se, meu gostosinho - ela lhe sussurrou ao ouvido - que o Gomes pode perceber.
- Não resisti, minha linda - ele também murmurou - A gente precisa se encontrar outra vez.
- Próxima terça.
- Tá bom, tesudinha.
A mulher do Gomes era uma simpatia.
Os filhos estavam bem trajados.  Paloma se recuperava do aborto feito no dia anterior e se mantinha sentada a um sofá, comedida nos movimentos e gestos.  Adriano, o filho mais novo, brincava com um tablet. Mara olhava os homens furtivamente, com os olhos concupiscentes, cuidando para que as esposas não a flagrassem. As conversas se cruzavam e se encontravam, elogiavam-se políticos e principalmente Jonas Jojoba pela sua competência em se sair bem da CPI do sexo dos anjos e do julgamento da "Operação Lava-Gato".  
A uma certa hora o celular de Paula tocou, esta reconheceu o número na bina, pediu licença aos  convivas para atender no quarto, onde havia silêncio.
- Roberto, seu bandido! Já disse pra você não me ligar à noite. 
- Eu tava com saudades. - o homem do outro lado argumentou.
- Já disse pra não ligar, depois a gente se fala, Roberto! - e desligou o telefone.
Depois voltou à sala e anunciou:
- Eu quero convidar todos vocês à missa em ação de graças que vou mandar rezar no domingo, às nove da manhã.  Missa que terá a presença do ilustre deputado Jonas Pereira Jojoba.  As pessoas aplaudiram, entusiasmadas, e todos prometeram a presença.  E o festim seguiu, bonito e perfumado.


                                                    
                                                                  
                                                              5


No dia da missa a igreja se encheu de gente.   Todos queriam ver Jonas de perto, cumprimentá-lo, se fazer simpáticos ao figurão.  O padre fez o sermão, falou da importância da família e dos políticos no cenário nacional.  Como não podia deixar de ser, a uma determinada hora Jonas fez um breve discurso:
- Queridos amigos e companheiros, é com profunda comoção e pejado de cristandade ainda maior que compareço a este evento religioso que abençoa e prima pela família.  Cada família, meus caros, é uma célula componente do corpo social, e, quanto mais saudáveis as famílias, mais saudável é a nação.  E é justamente por entender a importância de uma família sã e equilibrada, que quero parabenizar o exemplar pai de família, Antônio  Anta Gomes,  a dedicada, amantíssima e respeitável mãe de família, Paula Samira Gomes, e os filhos, Paloma Samira Gomes e Adriano Paulo Gomes, duas crianças de criação e comportamento exemplar, que têm na zelosíssima tia, Mara Samira Paranhos, uma segunda mãe.  Por favor, amigos e companheiros, peço uma salva de palmas para todos eles.
Os aplausos lotaram ainda mais a paróquia, e foi a vez de Paula dizer umas palavras:
- Muito obrigada, meus queridos irmãos!  Quero dizer a vocês que é a justiça divina que faz que homens como o deputado Jonas Pereira Jojoba ocupem o lugar que ocupam na sociedade, porque são defensores e verdadeiros baluartes da família, de Deus, da Pátria, que marcham juntos para construir uma sociedade magnânima, alta, vitoriosa e exemplarmente grandiosa!  Por isso, meus irmãos queridos, eu lhes peço que, em retribuição à homenagem a nós prestada pelo eminente parlamentar,  aplaudam-no por todo o respeito e veneração que ele merece!
Só faltou que as palmas explodissem a nave.
Terminada a missa, entretanto, Jonas, quando se viu sozinho com o casal Gomes, achegou-se aos cônjuges e lhes disse:
- Queridos amigos, esqueci de avisar-lhes de uma praxe que tenho em meu gabinete.  Como lhes falei, por conta de a imprensa estar sempre atenta a cada movimento meu após a CPI e o processo do semanalão, contratá-los foi um grande risco e um ato de coragem, e o meu senso de justiça preconiza  que todo ato de coragem deve ser recompensado.  Sendo assim, devo avisar-lhes que devem dividir seus salários comigo, que tanto dispendo, pagando para trabalhar em virtude das minhas ações  em prol desse povo que tanto amo.  Entendo que sempre Deus recompensa, mas penso que, se tenho a oportunidade, devo recompensar-me também, auxiliando o Senhor Supremo em me conceder a justa premiação.  Porque já disse o Senhor: "Faze por ti, e eu te ajudarei." 
O casal arregalou os olhos, boquiaberto. Jonas se despediu:
- Aproveitem bastante  este dia de grande júbilo e sejam muito felizes, muito felizes. Até segunda em meu gabinete.  Um excelente dia pra vocês.
Gomes e Paula se entreolharam, a mulher observou:
- Nosso padrão de vida não vai se elevar, meu querido.  Veja só o que ele fez! - e o abraçou entre prantos convulsos.
Chegaram a casa com um ar compungido de quem chega de um velório.  Sentaram-se, desanimados, exaustos.  Gomes levantou-se: 
- Vou tomar um banho.
Paula também se ergueu da poltrona:
- Vou tomar banho depois.  Agora vou até a casa da Cássia, porque em momentos assim ela sempre me apresenta o ombro amigo. - beijou rapidamente os lábios do marido e saiu.
No meio do caminho ligou do celular,  uma hora depois encontrava um homem numa rua discreta: 
- Amarildo, meu amor! Como eu preciso do teu ombro pra chorar. - e o abraçou e pranteou novamente de forma copiosa. Depois pediu: - Me leva pra fazer amor contigo, pra eu tentar aplacar esta dor que me maltrata.


A MULHER DO GOMES

A mulher do Gomes é uma simpatia:
Quando vê passando um rapaz vistoso,
Logo morde os lábios, se enche de alegria,
Lhe sorri de um modo muito afetuoso.

A mulher do Gomes é de grande apreço:
Os rapazes dizem que é tão sociável,
Que conhece algum, pega o endereço
E o visita e aperta – que mulher amável!

A mulher do Gomes é tão distraída,
Que, ao sair com este, perde-se na rua,
Quando  dá por si, desperta, exaurida
Num quarto de estranho, de ressaca e nua.

A mulher do Gomes é tão bem-querida
É por todos homens sempre elogiada,
E o marido a olha sempre enternecido,
E agradece aos anjos ter aquela fada.

                             II

(A DEFESA DA MULHER DO GOMES)

Mas com que motivo essa gente infame
Vive insinuando que sou leviana,
Se em meu altruísmo, só há quem me ame,
Se sou caridosa, de amizade insana?

Só porque o  carteiro, um rapaz garboso,
Se queixou do sol terrivelmente quente,
E eu, de um modo materno e afetuoso,
Me banhei com ele muito humildemente.

Só porque um rapaz, muito gentilmente,
Num final de tarde, num metrô lotado,
Para proteger-me, pôs-me à sua frente
E muito gememos, ternos e agarrados.

Só porque o vizinho é muito inspirado,
Diz ao meu ouvido verso arrepiante
Enquanto me abraça bastante apertado,
Ficam os canalhas nos dizendo amantes.

Só porque meu primo, homem de coragem,
Me conta seus feitos e brigas e glórias,
Eu eu lhe beijo o púbis de três tatuagens,
Já ficam dizendo que temos história.

Não sabe essa escória de língua ferina
Que eu sou tão carinho, tão afeto e paz,
Que vejo os humanos súplices, meninos,
Que a bondade minha é grande demais.



NOBREZAS DE PAPELÃO


Salve a família brasileira...
com suas virgens grávidas,
com suas tias ávidas,
com suas mães faceiras
e com seus pais cornudos!

Salve a história desta terra
com seus quinhentos anos...
com seus heróis de pano,
suas versões que enterram
tudo aquilo que é verdade!

Salve os homens da política
com seu trajar estético...
com seu agir aético,
sua moral raquítica
e seu cinismo sórdido!

Salve o ser religioso,
que cultua o Pai Eterno...
e agrada o rei do inferno
com seu verbo mentiroso
e seus atos de maldade!

Salve a mídia, que informa...
o que querem os mais fortes
e existe pra suporte
do poder, que só deforma
o país em que vivemos.

Por que tudo é inverdade,
é torpeza, é sofisma,
é embuste, é cinismo,
a mais pura falsidade
nesta terra de belezas?


20.05.2020







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