domingo, 16 de maio de 2021

CARMELO PIROGA, "O PEIXE ENSABOADO", E A PERGUNTAÇÃO

 O pai de Carmelo Piroga tava indignado.   Que história era aquela mais estranha de  o filho, depois de ir trabalhar na prefeitura da cidade, resolver virar puxa-saco daquele prefeito famigerado das unhas, virando uma espécie de boneco daquele cabra ruim que nem o Demo? 

A família se reúne, cada um espichado no seu canto da sala, e espera o filho degenerado chegar.  Logo esse adentra o cômado e se assenta bem no meio de todos, cabisbaixo, murcho que nem só,  já com os cornos meio vermelhos. Sem muito rodeio e nenhuma enrolação, Ornan, o pai, conhecido nas redondezas como Ornan Malheiro,  procede logo ao início das interrogações:

--Escuta aqui, seu cabra fio de uma égua, que conversa é essa de você tá ajudando esse cabra safado desse prefeito a fazê o diabo aqui nessas banda?

O tio Ilmar Assis, no mesmo momento, alerta o sujeitinho acabrunhado e com ar de cachorro que mijou no sofá:

--Ói, meu fio, tu tem que dizer a verdade, tá sabendo, né? por mais que doa, tu tem que dizer a verdade...

--Mas tio, inté já esqueci qual foi a pergunta...

Ao que o pai reage com um berro:

--Tu tá ou não tá ajudando esse prefeitinho filho do capiroto a fazer o diabo aqui nesta cidade?

--O prefeito da cidade, paim? -- o sonso tentava ganhar tempo.

--É, seu nojento!!!!!!!!!! Qem mais havera de ser?!!!!!!!!!!!!!!!

--Mas, paim, a mim num cabe imiti juízo de valor...

--Responde, seu pulha!!!!!!!!!  -- Ornan não aguenta e se exaspera de vez.

O tio até volta a intervir:

--Meu fio, entende bem: aqui é pra dizer a verdade...

--Mas eu tô falando a verdade, tio...

--Mas ocê num falou nada...

--Pois é, mas num menti, sinhô meu tio.

O pai se levanta, agora soltando fumaça pelas ventas que nem touro chucro ou maria-fumaça:

--Eu vou é arrebentá esse fela duma égua vagabunda dos inferno!!!!

O tio se levanta e contém o irmão furibundo, segura ele com a força, que nem sucuri  enroscada na presa.

Aí o primo, Márcio Robério,  também puxa-saco daquele prefeito parido das entranhas de uma chocadeira, resolve intervir só pra atrapalhar o interrogatório:

--O sinhô num pode falá assim com ele, não!  Só quero que me arresponda quem é o sinhô pra isso!!

E aí ganha o apoio do outro primo, Ednardo Voltão:

--É isso aÍ!! Com que artoridade cê acha que pode obrigar o Carmelinho a dizer o que não quer?!

--Ué? -- defende-se Ornan -- Mas ele jurou dizer a verdade.

--Mas a verdade é ralativa! -- tornou o tal do Márcio Robério.

Ornan levantou os braços, desesperado:

--Cês tá aqui é para atrapalhar, tá é de complô contra mim!

O tio Ilmar Assis consegue acalmar os ânimos e tenta ele próprio fazer uma indagação ao sobrinho:

--Fio, cê sabe que prometeu dizer a verdade.  Por isso eu quero que me arresponda um questionamento:  é verdade que tu taria, pelo teu chefe, exclusivamente pelo bem do teu chefe... é verdade que tu taria até disposto a sentar no preto colo, na clara esquina?

Ornan Malheiro arregala os olhos, quedado de indignação co'aquela atitude de escorregação do filho, o coração disparado que nem um vibrador desembestado, de novo é seguro pelo Assis, mas ainda assim  dispara:

--Seu cabra miserave, diz logo de uma vez!!!!  Tu é capaz de sentar no preto colo da clara esquina?!!!!!!!!!

Carmelo levanta os ombros:

--Oxe, pai, nem sei se ele quer isso.

--Mas ele sempre quis que as pessoas sentasse no colo do Benedito da Nigéria e que pra isso escolhesse a clara esquina,  esquina mais alumiada dessa cidade, seu cabra fraco da peste!!!!!  Tu é uma cabra fraco!!!!  Abestado!!! Mole!!!!  Tu é um Piroga mole!!!!  Um Piroga frouxo!!!!  Um Piroga sem força, desses que enverga à toa!!!!  Antes de tu minha famia nunca teve Piroga mole, seu nojento!!!! -- bradava o arretado Ornan enquanto tentava se desembaraçar dos braços firmes do irmão Ilmar, cabra forte e firme feito maçaranduba.

Um outro  tio moderado, Nórton Além-Mar, ainda tentou que o sujeitinho respondesse alguma coisa:

--Carmelo, todo mundo sabe que esse negócio da clara esquina é verdade, mas o que nós quer saber é se tu, caso ele te proponha essa vergonha... se tu tá de acordo, meu filho.

--Tio, sinceramente, a mim num cabe imiti juízo de valor sobre isso...

Foi uma doideira de alienista nenhum dar conta, sô!  Ornan já tava a ponto de sair no braço com Assis, tamanha a arretação que o filho molenga causou.  Não demorou e a reunião acabou, Márcio Robério e   Ednardo Voltão se rindo feito duas hienas pinguças, festejando a atitude de peixe ensaboado do primo, Ornan Malheiro saindo arrastado pelo tio Ilmar Assis, que na saída olhou  atravessado pro sobrinho e falou num jeito bastante aperreado:

--Só segurei teu pai pra apaziguar, mas tu merecia mesmo é uma surra de couro cru, de rabo de arraia e outras coisas mais.

Nórton Além-Mar saiu balançando a cabeça, indignado com aquela situação vexatória, fazendo uma cara de jiló danada pro ex-interrogado.

Quando todos saíram, Carmelo Piroga levantou os ombros e braços, e indagou a si próprio:

--Oxe, o que foi que eu disse pra essa gente ficar tão aperreada?






  

domingo, 2 de maio de 2021

OSMUNDO

 Naquele lugar tão estranho

de brigas, de armas e ganhos, 

de tudo que existe no mundo

entrou por engano o Osmundo.


Havia bebida de graça,

"bonecas", mulheres na caça,

casais transando na rua,

beldades dançando já nuas.


Num dado momento uma loura

do tipo que os dias doura

lhe trouxe um copo de quente,

chamou-o pro amor, sorridente.


Osmundo ficou num conflito:

ia ou não ia o aflito?

Se aquilo fosse arapuca, 

findasse num tiro na nuca?


Se fosse a bebida truncada,

se a loura com rosto de fada

não fosse às outras idêntica,

não fosse uma dama da autêntica?


Se o chefe do morro descesse,

cismasse com ele e lhe desse

sentença de morte por nada,

ciumento da loura assanhada?


Em pânico Osmundo sofria:

dizer um "sim" não podia,

dizer um "não" não devia,

fugir sequer tentaria.


Osmundo acordou urinado,

o peito a pulsar disparado,

jurando que à igreja voltava

e a vida devassa deixava.