segunda-feira, 15 de junho de 2020

RODRIGO MAIA É UM TREMENDO CARADURA!

Rodrigo Maia, demagogicamente, costuma dizer, numa inverdade e caradurismo sem precedentes na história da política, que reduzir ou suprimir direitos dos funcionários públicos é "transferir renda dos 'mais ricos' pros mais pobres". Você já viu alguém enriquecer no serviço público?  No máximo torna-se classe média. O político fala também em reduzir as deduções no imposto de renda a que a classe média tem direito, assim como os salários do funcionalismo,  o que afeta duramente justo os que têm ainda uma condição social de baixa a mediana. Não temos de ser todos infortunados, mas em nossa totalidade viver bem, de acordo com o preceito  da dignidade da pessoa, impressa na atual Constituição. Ou seja,  papel do deputado é exatamente miserabilizar a classe média, quando poderia justamente propor a efetivação da taxação das grandes fortunas, o fim do fundo partidário e das verbas de gabinete, para socorrer as vítimas da pandemia e dos seus graves efeitos socioeconômicos.  Ricos são os membros da elite que ele defende e encobre com esse discurso, desviando os olhos da sociedade para a direção errada.  Isso porque  está entre os mais ricos e exerce um papel típico de político do Centrão, grupo do qual faz parte e que é bolsonarista -- daí o deputado recusar-se a pautar os pedidos de "impeachment" de Bolsonaro. 
A recusa de Maia quanto a pôr em votação o impedimento do presidente, alegando que a prioridade é combater o coronavírus, é um sofisma que justamente mantém a epidemia nos patamares de hoje, afetando hoje quase 900.000 brasileiros e matando mais de 1.000 por dia,  já que Bolsonaro nega a pandemia que assola o País, além de induzir seus seguidores a agir como se ela não existisse, o que muito contribui para elevar o número de contaminados e mortos.
Por isso, quero lembrar aos que não forem ricos que NUN-CA  MAIS  VO-TEM EM RO-DRI-GO MAI-A.
#rodrigomaianuncamais
 

sábado, 6 de junho de 2020

O MORIBUNDO

Estava ali, deitado, prostrado, no quarto refrigerado, acompanhado da enfermeira, vivendo seus derradeiros dias.
-- Quer alguma coisa? -- a profissional indagou.
Limitou-se ele a gesticular um "não" com um dedo.
-- Vou preparar os remédios pra daqui a pouco -- ela avisou e saiu.
O homem ficou a refletir:  estava sozinho, sem uma mulher que lhe segurasse as mãos com afeto, que lamentasse o crepúsculo de sua vida.  Tinha apenas uma enfermeira, fria, serena, atenciosa, mas profissional.  Não mais que profissional.  Não mais que cumpridora dos deveres.  E onde carinho nos seus últimos tempos sobre a terra?
Casara-se algumas vezes, mas não tivera exatamente o perfil de um homem casado.  O passado lhe vinha à mente: esbórnias, orgias, mulheres, traições.  Usara muitas mulheres. Muitas mulheres o usaram.
Bebedeiras, a visão da aurora de dentro dos bares, os motéis, cigarros, bebidas, mulheres diversas, mas nenhuma amiga, companheira, solidária, exatamente a que faltava naquele momento.  Sabia de uma que poderia estar naquele momento a seu lado, os olhos lacrimejados, o inconformismo estampado no semblante, porque o amara de verdade. Mas agora já há muito se fora o amor, esmigalhado pela inquietude da alma do homem, o desregramento  e a turbulência dos dias.  Havia uma outra que achava que também poderia estar por ali, também chorosa e inconformada.  Mas não quisera ele ficar com ela, não lhe tivera paixão ou afeição, fizera-a de brinquedo e a mantivera como namorada por poucos meses.   A outras se entregara de corpo e alma, mas não recebera o amor em troca.  Nenhuma daquelas últimas, sabia, naquele momento estaria ali.  Não o quiseram e o menosprezaram, queriam-no por apenas algumas conveniências que ora não entendia  bem.  Umas outras ainda foram nulas, casos sem nenhuma relevância, nenhuma importância, só mulheres que passaram em branco por sua existência.
Pensou em si mesmo e apertou os olhos. Nem filhos quisera ter.  E não os teve.
E agora não tinha ninguém ao seu lado que o amasse, que lhe chorasse a morte iminente. Tinha apenas uma enfermeira.  Era sozinho e morreria sozinho. Acompanhado apenas de uma enfermeira.
Contudo ficou a considerar a questão.  Se tivesse ficado com uma mulher que um dia o amara e agora não mais, teria sido um tédio insuportável envelhecer ao lado desta, num dia-a-dia insípido e totalmente desprovido de emoções, de sensualidade, de desejos ardentes, de aventuras e daquele ardor que envolve as grandes conquistas e paixões.  Uma mulher envelhecendo ao seu lado, os dois sentados a um sofá nos finais de semana, assistindo a notíciários e novelas, a rabugice tomando conta de ambos, a aposentadoria e a obrigação de comprar pães todas as manhãs, pequenas compras todos os dias.  As reclamações da mulher pela eventual má qualidade de algum artigo comprado.
Mesmo que tivesse sido correspondido por alguma daquelas que quisera de verdade, como teria podido conter a corrosão do tempo sobre a poesia, o fogo e a entrega tresloucada das paixões?  O tempo faria paulatinamente de todo o fogo uma mesmice, um tédio intragável,
uma mononotonia sem tamanho, um eterno desejo de estar nos bares, nas boates, nas aventuras da noite, ou então que a alma se domasse e aquietasse de um modo que tornasse a vida absolutamente cinzenta.
Tivesse sido um homem afeito ao casamento e agora teria uma velha ranzinza e chorosa diante de si, rememorando os momentos tediosos vividos por ambos como fossem as mais emocionantes aventuras, as mais magníficas emoções.
Não lhe veio o arrependimento nem a lágrima.   Considerou longamente o assunto, não se arrependeu de, pelo modo como vivera, agora, velho e moribundo, estar sozinho.  Se então estava velho e sem amigos, sem mulher, enquanto tivera forças, tirara proveito do melhor que pudera do mundo.  Vivera a vida intensamente, porque sempre  fora intenso e por isso não mais que a verdade de si próprio.  Abriu, semicerrou e reabriu os olhos, recebeu os remédios da enfermeira.
Morreu naquela madrugada, cônscio de que vivera da maneira que achara melhor para si.

2013

sexta-feira, 5 de junho de 2020

MILENA E O DIVÃ


Milena acomodou o corpo no sofá, cruzou as pernas.  A luz iluminava seu rosto ainda bonito de uma  mulher que estava por entrar nos cinquenta e cinco anos de vida.   Levou ela uma ponta de dedo ao queixo e observou: 
-- Não sei exatamente dizer se fui feliz  na minha vida emocional,  mas não me considero uma desgraçada.  Entretanto, acho que ainda faltou algo.   Alguma coisa a mais precisava ter vivido pra me sentir realizada na vida afetiva.
Diante dela a psicanalista, impassível, atenta.  A cliente prosseguiu:
-- Mas acho que valeu tudo o que vivi.  Não os dramas mais traumáticos, como a perda de meus pais, mas a maior parte do que vivi voluntariamente valeu a pena, sim.  Algumas decisões foram erradas, mas, como muito se propala, pude aprender com os erros.
“ Não tive grandes amores na adolescência, casei com vinte e dois anos, logo após me formar; mas não nutria grandes paixões por meu ex-marido. Talvez por isso a relação não tenha dado certo.”
-- Como era seu marido? -- indagou a profissional.
Milena permaneceu com o dedo abaixo do queixo de uma cor clara e  rosada, pensou por segundos, comentou:
-- Era um homem arrogante e prepotente.  Bem jovem, já era arrogante.  Eu já o conhecia por morarmos no mesmo bairro.  Talvez aquele jeito altivo, decidido, aquela personalidade forte tenha sido exatamente o que me atraiu nele... mas a convivência com uma pessoa daquele perfil é muito difícil.   Era dono da verdade, autoritário, pensava que podia me dominar.  Assim, o que antes mexia comigo, passou a ser motivo de degaste e apodrecimento da convivência.
-- Ele era violento?
-- Não... Isso não.  Ele não ousaria sê-lo comigo.  Passei a mantê-lo à distância quando ensaiou  algum gesto violento, e isso acabou por fazer que não houvesse mais cama entre nós.
-- Quanto tempo ficaram convivendo sem relações  sexuais?
-- Uns dois anos.  Eu sentia uma certa náusea de nos imaginar numa relação sexual.  Acho que logo ele percebeu isso... e passou a nem mesmo tentar.
-- O que ele fez  pra te causar essa repulsa?
--Uma vez me pegou pelo braço, ameaçando sacudir meu corpo.  Olhei-o com tal desprezo, mas com tanta firmeza e ódio, que ele suspendeu o gesto.  Mas me chamava de estúpida, gritava comigo, me humilhava, me envergonhava com seu jeito escandaloso. Tolerei durante muito tempo, foi um casamento de dez anos.  Mas depois refleti e considerei que não tinha dele dependência financeira nem afetiva, não sentia mais nada por ele.  Por que então continuar?
-- A separação foi traumática?
-- Não. Eu propus, e ele aceitou sem relutar.  Ele também queria a separação.  Não foi difícil.  Faltava-nos antes iniciativa, mas ambos queríamos.
-- Você teve filhos  com ele?
-- Não, não tive. 
-- Teve algum relacionamento sério depois do casamento?
Milena pensou longamente, tornou:
-- Sério, não sei... mas tive o poeta...
-- Poeta? -- repetiu a que entrevistava.
A cliente tinha o olhar distante, buscando trazer as cenas de outrora à memória:
-- Sim, poeta: ele fazia versos, muitas poesias. Era muito apaixonado, queria estar comigo a todo momento: ligava, me levava a passear, era entregue, dedicado, apegado.
--Pegajoso?
--Nao digo isso: tinha certo cuidado para não ser assim. Mas vivia contendo uma tendência nesse sentido.  Mas era devotado, muito presente, parecia que nada tinha a fazer além de ficar comigo.  Era como se na vida nada tivesse além de mim.  Ele me respirava, era como se se nutrisse da minha presença, da minha existência.  Era inteiramente meu. Ficou frágil, ciumento, inseguro e dependente.
--Como era a cama entre vocês?
--Ótima!  Nós nos afinávamos perfeitamente no aspecto sexual.
--Você o amava?
--Não. Tinha uma profunda estima, ternura, amizade, às vezes tinha vontade de protegê-lo...
--Mas isso não era amor?
--Não, não era. - A seguir Milena olhou para o longe com um ar reflexivo e os olhos brandos e como sorridentes: --  Amor arrebata, estonteia, atordoa, faz a gente perder a razão, agir tendo como único guia a emoção. A gente para de pensar,  e os sentimentos predominam: eles é que passam a decidir os nossos passos.
--Em algum momento da vida -- indagou a terapeuta-- você experimentou essas emoções?
--Não sei.  Acho que experimentei coisa parecida na adolescência; mas não tinha a intensidade de um amor.  Era quase um namoro de crianças.  Acho que era apenas uma fantasia, coisa de adolescente.  Não ficou marcado em mim.  Lógico! Faz tantos anos... Mas nunca marcou...
--Que fim levou o poeta?
--Precisei ir embora pro Rio Grando do Sul: tinha uma oferta melhor de emprego. O poeta ficou no Rio: não podia me visitar com frequência.  Achei que o relacionamento iria ficar pela metade: resolvi romper.  Ele sentiu muito, muito mesmo. Acho que quase enlouqueceu de tristeza.

II

MILENA

Vem de algum lugar, Milena, que meu canto te procura
Por todo beco,
Por todo canto
E pelas ruas , Milena, tão silenciosas;
Noites de frio
Que não revelam
A tua imagem.

Surge, Milena, assim de repente como fada;
Nasce de um clarão multicolorido de magia
E então flutua
Bem docemente
Ante meus olhos.
Vem, Milena, chega num relance de entre as nuvens;
Vem, que meus versos têm em ti sua nascente.
Chega antes que meu peito se transforme em  só cansaço,
Antes que meu verso cale, silencie,
E eu me torne folha seca  a vagar sem nenhum rumo.

1996

III

A psicóloga ajeitou-se no sofá onde se sentava, quis saber:
--Depois da partida não soube mais do poeta?
Milena sorriu:
--Algo em torno de dez anos depois, quando  tive problemas na empresa e voltei,  procurei por ele.
--Como ele reagiu?
--Ficou estupefato, numa surpresa que não sei descrever!  Numa alegria que nunca vi.  Foi uma coisa que jamais vou conseguir apagar da memória.
--Vocês voltaram?
--No mesmo dia em que nos reencontramos.
--E você percebeu se ele ainda tinha o mesmo sentimento por você?
--Não sei dizer, mas ele ficou muito eufórico, esfuziante, feliz demais!

IV

OUTRO CANTO A MILENA

Vem, Milena, ver a noite e suas luzes,
Fazer planos de um amor que nunca acabe.
Vem, porque jurar amor é qual cantar,
E, Milena, cantar é tão bonito,
É bonito como o encantamento dos teus olhos,
Quando sonhas debruçada na varanda.

Vem arder entre lençóis, quentes carícias,
Nossos corpos, qual vulcões ensandecidos,
Se espremendo numa fúria delirante
E na dança alucinada dos desejos.

Vem, Milena, ver cantar meus sentimentos,
Vem sentir o aconchego dos meus braços,
Vem fazer do meu abraço tua casa.
Tua casa, o teu canto é meu abraço.

2007

V

A psicóloga fitou Milena vagamente:
--Ainda assim você não ficou com ele?
--Não.  Os ciúmes dele pareciam ter aumentado.  Mas a entrega não me parecia mais a mesma. Acho que agora tinha medo de se dar como antes e me perder novamente.
--E acabou acontecendo, não?
--Sim. Mas daquela vez não fui eu que rompi.  Foi ele, que percebeu que eu nunca o tinha amado. Deixou-me um ano depois.  Nunca mais soube dele.


VI


ÚLTIMO POEMA A MILENA


Adeus, Milena, até nunca, nunca mais...
Nunca mais um verso te farei.
Até nunca mais, Milena, adeus.

Ainda que eu fosse o orador que mais brilhasse,
pelo inteiro mundo  minha voz fosse aclamada,
e as turbas me aplaudissem, fascinadas...

Ainda que eu cantasse a mais linda das cantigas,
e o fizesse de forma tão doce, tão sentida,
que levasse a prantear as multidões...

Ainda que eu aniquilasse os demônios do universo,
e cruzasse fronteiras minha fama de bravura,
e eu fosse aclamado do planeta o grande herói...

Ainda que eu não fosse nada menos que deus vivo
a operar milagres estalando os dedos simplesmente,
e os homens me louvassem em milhões de reverências...

Ainda assim eu teria o desdém desses teus olhos,
a tornar-me nada mais que um mero, simples verme.
A tua voz, sem calor ou sem doçura, então faria
De minh'alma nada mais  que escombros puramente.
Adeus, Milena, até nunca, nunca mais.
Até nunca mais, Milena, adeus.

2008


VII

--Em tua vida inteira,  Então, nenhum homem conseguiu te levar às nuvens de emoção...?
--Houve um, sim!
--Houve?
--Um que conheci no tempo em que trabalhei no Sul.  Era um cliente da empresa, Um gaúcho de olhar firme e penetrante.  Bem-sucedido, seguro, centrado, parecia de ferro. Um dia o recebi em meu escritório, pois ele permanecera na empresa até depois do expediente.
"A princípio conversamos sobre negócios, depois debatemos acerca de outros diversos assuntos. Acabamos falando em relacionamentos, amores, e, ao nos despedirmos, apertei-lhe a mão, depois tive o impulso de abraçá-lo, e aí aconteceu o que eu não planejara nem esperava. Ele me apertou nos braços, impetuoso, ardente, decidido, e quando me dei conta estávamos despidos e fazíamos amor no sofá de um modo quase selvagem.  Ele me fez sentir tão mulher, tão fêmea, fez de mim o que quis, me levou a orgasmos que antes eu jamais experimentara.  Senti-me ao mesmo tempo sua amada, sua rainha e sua vagabunda, mas muito candentemente desejada.  Foi uma loucura, uma grande loucura, poderia ter comprometido meu emprego e minha carreira, mas eu tinha enlouquecido."
--Por que não ficou com ele?
--Ele não podia: era casado.  E eu, por minha vez, não quis ficar como sua amante.  Seria difícil pra mim, pra ele, pra mulher dele.  Seria o inferno da vida de todos nós. Vivi muito intensamente aquele momento, mas não quis outra ocasião. Disse a ele que não queria mais.  Passei a evitar que ficássemos a sós, a conversar com ele somente sobre negócios.  Mas nunca mais vou esquecê-lo.
--Você sentiu amor por ele?
--Não, acho que não.  Mas nunca um homem me atraiu tanto nem ficou tão firmemente gravado na minha memória.  Nunca mais vou esquecer o mais pleno e magnífico affair de minha vida.
--Nosso tempo acabou. Volta semana que vem, no mesmo dia e horário?
--Sim, com certeza.

2017












O APARTAMENTO

1


Quando Michele viu o apartamento, deslumbrou-se e fez-se quase histriônica. Três quartos,  uma suíte, um banheiro social, dependências de empregada, visão plena da rua. Circulou duas vezes por todos os cômados, voltou-se para os amigos:
--Aprovado?
Gabriel anuiu com a cabeça, também entusiasmado:
--Show! Gostei.
Raul também aprovou balançando a fronte. Sorriu:
--Bastante espaçoso. Gostei também.
Em poucos dias mudaram-se.
Naquele tempo podia-se procurar imóveis: não havia Covid-19, nem vivia-se o inferno de ter Bolsonaro na Presidência da República e a favor da pandemia.  Hoje nada além da tragédia acontece no mundo, paralisado pela doença, à exceção, é claro, do Brasil, onde o mandatário todos os dias atenta contra a democracia.
Os três eram bancários, funcionários do mesmo banco e agência há quase seis anos.  Michele estava pelos trinta e três de idade, Gabriel contava vinte e quatro Raul ia pelos cinquenta.  A mulher e o mais jovem eram solteiros, Raul saíra alguns anos antes de um casamento  que há muito o já havia cansado.
Michele era de personalidade marcante, determinada, extrovertida, alegre, dinâmica,  bem-humorada. Gabriel tinha uma natureza parecida, mas trazia em si menos dinamismo, além de mostrar um jeito mais sereno.  Raul era experiente, observador e dotado de menos alegria, mas interagia perfeitamente com os outros dois. 
Eram amigos inseparáveis no trabalho, só se dispersavam quando algum dos três tinha um encontro amoroso ou visitava os parentes.  Geralmente estavam juntos à noite, conversavam até tarde nos finais de semana, bebiam cerveja em trio e iam pelo meio da madrugada cada qual pro seu quarto. 
O mundo de Michele destilava viveza.  A mulher gostava de debruçar-se à janela, à espera do sono, e parecia que dentro dela a vida retumbava.  Os carros passavam, seus olhos negros os seguiam, depois se perdiam na selva de concreto, nas luzes de artifício e nas cores da noite.  Depois trancava a suíte, despia-se e deitava-se, esparramava-se na cama e dormia profundamente.
Gabriel roncava a solto,  e o ronco atravessava o corredor e ia tocar de leve os ouvidos de Raul, que às vezes era insone e ficava a rememorar inúmeros maus e bons momentos da própria vida. Gabriel era cheio de sonhos, Raul não tinha ilusões.  Ficava às vezes a refletir sobre o sentido ou não da vida, se havia ou não alguma razão em existir.
Imaginava Michele em seu quarto, nua, o corpo derramado de bruços sobre a cama.  Jamais a mulher contara, mas os homens sabiam que dormia nua, por perspicácia, instinto e pelo fato de a moça não se preocupar em não deixar evidências.  Nunca haviam antes morado juntos,  e aquela nova situação, com a presença dela,  por vezes excitava-os, cada qual solitário em seu quarto.   Às vezes perdiam o sono e ficavam a olhar para o teto e para o nada, enquanto ela dormia numa paz de criança no berço.
Iam juntos à praia, bebiam nos bares e contavam anedotas e histórias engraçadas e alegres.  
A solidão incomodara e corroera o mais velho, e isso fez que ele aceitasse a proposta dos outros dois de viverem juntos.  Gabriel fora por querer experimentar a independência de não viver com os pais e irmãos, todos protestantes e de princípios severos,  Michele porque os pais tentavam controlar seus horários e suas saídas.  E assim, amigos verdadeiros, os três encontraram plena harmonia em viverem sob o mesmo teto.   Eram como uma família.
Mas não eram irmãos.
Uma vez Gabriel tentou seduzi-la quando se viu sozinho com ela, após os dois beberem vinho. Notou que a mulher execedera-se um pouco e tentou levá-la para a cama.  Michele riu-se, apertou-lhe o queixo com afabilidade, ironizou-o e fê-lo sentir-se uma criança. O rapaz foi dormir envergonhado.
No dia seguinte, ele queixou-se para  Raul com certo gracejo:
--Todo muito aqui, sem nada pra fazer... Não custava nada dar um pouquinho pra gente.
Raul, por sua vez, em situação idêntica, à mesa com ela, olhou profundamente nos  seus olhos e chegou a colocar uma das mãos sobre a dela.  A mulher puxou a mão de baixo da dele e foi mais séria e incisiva:
--Perdoe, meu amigo, mas não quero esse tipo de relacionamento com você.  Somos amigos, lembre-se. Lembre-se sempre disso.
Raul permaneceu calado, sisudo, entristecido, levantou-se e pediu licença para banhar-se e dormir.
Mas a mágoa ficou. Uma mistura de mágoa com uma coisa parecida com paixão.  Michele era o seu poema, sempre o fora.  Sempre a olhara com interesse, com um sentimento diferente de amizade.  Ainda era casado quando sentira algo diverso por ela, quando encantara-se em ficar observando-a, como se bebera sua voz e seus gestos, seu jeito, seu andar, o desenho de seu corpo.
A recusa magoara Raul, e ele, sempre que não se via acompanhado de uma mulher, sofria por ela deitado em seu quarto, sozinho em suas noites insones.   A amizade não ficou arranhada, mas  o peito dele se apertava por ela.  Não era amor, não era uma paixão avassaladora, mas era atração e encantamento, era uma coisa que o inquietava e entristecia.
Quando ela contava de um namorado, ele sentia um punhal ferindo-lhe a alma, uma coisa cortando dentro de si: uma melancolia, um desânimo, uma desesperança. Olhava-se no espelho e via-se um ancião pelos dezessete anos de diferença entre ambos.  Doía-lhe saber que Michele não tinha interesse  por homens mais velhos. 
Ainda assim sentia-se de certo modo feliz quando coincidia os dois não saírem no fim de semana.  Usufruía com gosto e prazer sua simples presença, como se de algum modo naqueles dias ela fosse dele. 
Gabriel por sua vez continuou a tratá-la com a mesma deferência,  a mesma alegria, com suas brincadeiras, suas chacotas, leve e livre de mágoas  e ressentimentos.



2


O sábado de verão era claro e alegre.  A praia estava cheia, e as banhistas passeavam e se bronzeavam, exibindo nádegas bonitas e douradas pelo sol, algumas depiladas, outras com pelos dourados e eriçados.  Os olhos de Gabriel e Raul percorriam todas as mulheres de biquíni que circulavam ao alcance da vista. 
--Esse tá supergelado! -- sorveu Michele o seu chope quase num só gole.
Raul provou a própria tulipa:
--Tá bom mesmo.
--Show! -- endossou Gabriel.
O mar batia, azul, azul... Os raios do sol encontravam as águas no horizonte, uma linha de sol espelhava e ofuscava os olhos de Michele, que colocou no rosto os óculos escuros.
--Tão bonito o mar...  -- observava a mulher enquanto sacudia a cabeça e tirava os cabelos castanho-escuros dos ombros.
--Vamos dar um mergulho? -- propunha Gabriel.
-- Não tô a fim -- fez Raul um gesto vago.
Mas Michele aceitou, e os dois mergulharam, enquanto o mais velho sorvia a bebida e ficava a vê-la perder-se ao longe e sumir no meio das águas e da multidão.  Uma mulher de biquíni muito ousado e seios e nádegas muito pronunciadas deu ao homem vontade de fazer amor, e este tirou o celular de sobre a mesa e fez uma ligação.  Uma voz feminina atendeu do outro lado:
--Como tá a tua agenda hoje? -- indagou Raul com uma ponta de ironia.
--Vazia. -- ela sorriu do outro lado.
Também Raul abriu um leve sorriso:
--Tô na praia, mas posso te apanhar à noite.
--A que horas?
--Por volta das dez e meia?
--Acho que é um bom horário.  Vou passar a tarde fazendo as unhas e os cabelos...
--Bom assim. -- chego da praia, tomo um banho, descanso um pouco...
--Pode ficar tranquilo: a noite é nossa.
--Beleza! -- exultou Raul.
Ela indagou de um jeito malicioso:
--Que roupa você quer que eu vista?
Ele abriu um riso com a mesma malícia:
--Quero aquele vestidinho vermelho de tecido fininho, aquele que mais parece uma lingerie.
--Vou usar...
--E aquela calcinha de rendinha... vermelhinha... aquela que é só um fiozinho...?
--Sim, meu taradinho... é ela que eu vou usar...
Logo os outros dois voltavam, sentavam-se à mesa, ele encerrava a ligação.
--O Gabriel gamou numa loura que tá debaixo de uma barraca azul e branca...
--Mas não falou com ela? -- quis saber Raul.
--Ela parece que nem me viu! -- justificou-se o rapaz com certa desolação.
Michele pediu outro chope, voltou-se para o amigo mais velho:
--A praia tem tanta vida...
O homem permaneceu calado, continuou ela:
--Aqui parece que a tristeza não cabe.  Num lugar como esse  a gente tem vontade de brincar, de dançar, de cantar.
O mais velho olhou ao redor:
--É contagiante...
--Dá um astral bom, não é? -- concordou Gabriel em sua juventude.
A moça mudava o assunto:
-- Tá faltando pouco pra minhas férias.
Raul interesssou-se:
--Vai tirar férias integrais?
--Vou  -- ela confirmou.
--Vai viajar?
--Vou a Porto de Galinhas. Vou passar as férias na praia.
Ele fitou-a por alguns segundos, depois seu olhar se fez distante: toda vez em que ela viajava, o homem sentia um vazio profundo,  como se não soubera viver sem os seus olhos e cabelos castanhos, sua pele morena-clara, seu sorriso espontâneo, sua segurança no modo de ser.  A viveza que tinha no olhar e no riso, aquele gosto pleno e flagrante de viver.
Por momentos desejou ser mais jovem.  Talvez assim  a tivesse... Mas ficou a especular: tê-la-ia por algum tempo ou pra sempre? Se dava-se a ela a relacionamentos tão breves, se não mostrara por nenhum dos que a tiveram nenhum grande apego... seria ele apenas mais um?  Quanto sofreria se um dia  o abandonasse?  Seria então mais feliz por não tê-la?
Gabriel tirou-o de suas pensamentos perguntando se queria mais um chope, Raul sorriu e fez um sinal afirmativo, e a tarde seguiu simplesmente.



3

Na madrugada após aquela tarde na praia, Raul não dormira como de praxe no motel com a mulher.  No meio da noite os dois resolveram separar-se.  O homem deixou a parceira em casa e partiu para o lar.  Por volta das três e meia colocou a chave na fechadura, ouviu movimentos bruscos e tudo depois silenciar.  Caminhou até a porta do quarto de Gabriel, viu que estava aberta, e o cômado, vazio.  Entendeu que o que ouvira fora o susto e a surpresa de Gabriel e Michele, que interromperam o que faziam na cama por conta de sua chegada.
E lá estavam realmente os dois, despidos, trancados, abraçados, calados.  Raul sentiu-se como traído, uma dor funda atravessou-lhe o peito, fê-lo sentir-se velho, inferior, asqueroso.  Entrou no próprio quarto, pegou roupas e entrou no banho.  Não pregou olhos naquele resto de madrugada, nem tampouco na parte da manhã.  Pelas sete Gabriel foi pé ante pé para a cama, sem saber que que o outro, acordado, percebia a movimentação.
Tudo acontecera quase que acidentalmente.   Após a praia, Michele tinha um encontro marcado, mas o rapaz ligara cancelando o compromisso.  Resolvera-se então a ficar em casa.  Gabriel ainda chamara-a para descer e tomar um chope na Praça Saens Peña, mas ela recusou-se.  Então o jovem comprou duas garrafas de vinho, e os dois ficaram a beber.  Começaram na sala, depois ela quis deitar-se, Gabriel então levou o vinho e os cálices pro quarto. A conversa seguiu, embriagaram-se, discorreram sobre vários assuntos, o sexo entrou em pauta, da teoria os dois  se tocaram nas pontas dos dedos, um ímpeto os inflamou, beijaram-se, tocaram-se, despiram-se;  Michele enroscou o amigo entre as pernas, um seio na  boca do rapaz, que encontrou-se vivendo uma poesia erótica das mais belas e mais ardentes, em momentos longos e flamejantes, como quando a moça postou-se de bruços e abriu-se para ele como uma estrela-do-mar.  E assim ficaram em  perfeita consonância com a noite de lua cheia e convidativa para o amor.
No dia seguinte Raul nada comentou, tampouco os outros disseram palavra acerca do fato.  Todos agiram como se nada houvesse ocorrido.  Almoçaram juntos e agiram normalmente, e dias depois Michele abordou Gabriel na sala e disse que aquilo não fora um momento de fraqueza e em virtude do vinho, mas que vira-se acometida naquela noite de dois desejos: o de fazer amor e o de vingança contra o namorado  que desmarcara o encontro por razões fúteis.  Além disso avisou ao jovem a partir daquela noite não se iniciava um relacionamento e os dois não voltariam a se tocar com intenções que não fossem meramente fraternais. E foi dito e feito: a partir dali o namoro da mulher com o outro rapaz foi-se consolidando.  
Tanto que os dois amigos acabaram por conhecer Adriano, que almoçava n'alguns finais de semana na casa dos amigos, mas lá nunca dormia por preferir a moça pernoitar no apartamento do namorado, na rua Santa Clara. 
Michele percebia os ciúmes e a desolação de Raul, mas este jamais mudou seu modo de lidar com ela nem demonstrou nenhum sentimento ou conduta hostil quanto a Gabriel ou Adriano.  Os três moradores do apartamento eram uma família.

4

Num dos almoços no apartamento dos amigos, quando Gabriel tocou, eufórico, na realização da Copa do Mundo no Brasil, Raul mostrou-se avesso ao fato de o País sediar o evento.
--Temos inúmeros problemas financeiros, sociais e não temos condições de gastar o que vamos gastar pra construir estádios. Faltam hospitais, creches..
--Isso vai incrementar o turismo, pode haver um bom retorno... -- replicava Adriano, filho de família socialmente privilegiada e já dono de bom patrimônio aos trinta e cinco anos.
Michele parecia concordar com o amigo, mas preferiu não deixar que a discussão se alongasse.
Veio a Copa e os quatro assistiram a todos os jogos juntos, e a torcida  fervorosa foi de todos, que receberam no ânimo desportivo e na alma a ducha de água fria da derrota vergonhosa e inesquecível para a Alemanha.
Após a Copa do Mundo, o Brasil entrou em clima de eleições.
--Pra mim o segundo turno não é festa cívica.  -- comentou Raul numa mesa de bar, entre Adriano e os outros amigos -- Não voto em Dilma nem Aécio. Repudio os dois.
Adriano era Aécio. Michele e Gabriel votavam em Dilma, mas ninguém quis prolongar a discussão por manter a serenidade e a cordialidade da conversa.
O ano de 2015 foi lotado de escândalos financeiros e casos de corrupção ligados ao governo e seu partido, em 2016 Dilma foi destituída  e assumiu Temer, que fora vice da ex-presidente e, além de ter o nome envolvido em casos de depravação financeira,  desmantelou todos os direitos dos trabalhadores.  Um governo perverso e ultrarreacionário, igualmente cercado de casos de roubo de dinheiro público.
O dramático foi que toda essa crise financeira e o triunfo da direita (sem que isso queira dizer que o governo anterior fosse de esquerda) atingiram em cheio os três amigos.  O banco resolveu investir na mecanização de alguns  trabalhos que cabiam aos funcionários, e a agência em que aqueles trabalhavam foi fechada. 
Raul se viu desempregado aos cinquenta e três anos. Emagreceu em demasia.  Mal saía do quarto. Onde conseguiria outro emprego? E que direitos e garantias teria?
Tiveram de entregar o apartamento.  Gabriel voltou a morar com os pais e a ter de submeter-se aos rigores impostos pela família protestante.  Michele decidira também voltar a viver com os pais, mas Adriano pediu-lhe que vivesse com ele, com o que ela concordou de pronto.
Raul passou a morar numa quitinete cedida pelo pai, um português de oitenta anos, que tinha uma pequena mercearia e uma vila estreita de pequenos imóveis.
Não demorou a gastar o dinheiro da indenização trabalhista recebida: perdeu em alguns pequenos investimentos, o que não seria de surpreender num país em que poucos tinham emprego, e os que o tinham ganhavam, como ainda hoje, pouco demais.
Passou a fazer pequenos bicos de contabilidade, mas acabava quase sempre por ter no pai o provedor. Por fim decidiu-se a trabalhar com o genitor na casa comercial que este possuía.
Os contatos entre os três amigos passaram a dar-se  pelas redes sociais, ficando a cada dia mais escassos.
Gabriel permanecia desempregado e obedecendo às normas da casa da família protestante, Michele também não se empregara, mas vivia feliz com o marido, que dava-lhe bom suporte financeiro; Raul, com o tempo,  viu em si quase desparecer  aquela coisa estranha e quase exacerbada que sentia pela mulher.  Só ficou-lhe uma ponta quase imperceptível de mágoa por se ter sentido rejeitado por ela.  Mas as lembranças do apartamento e do convívio com os outros dois não o abandonavam, porque a eles associara-se para fugir à solidão, que agora apossara-se dele novamente e todas as noites perfurava-lhe a alma sem complacência, fazendo o seu olhar a cada dia mais perdido e tristonho.

17.05.2020









  

A MULHER DO GOMES


Em plena quarta-feira, início de semana, primeiro e único dia de trabalho, a secretária bate à porta do gabinete do deputado Jonas Pereira Jojoba:
-Deputado, Há um senhor Antônio Anta Gomes querendo falar com o senhor.
Jonas coça a cabeça, um tanto contrariado: 
-E você já disse que eu estou aqui?
-Ele me disse que viu quando o seu carro chegou.
Jonas volta a coçar a cabeça:
-Eu podia perfeitamente mandar você dar uma desculpa, pra eu me livrar desse cara, mas acho melhor atender logo, que aí eu me desembaraço dele de uma vez por todas.  Pode mandar entrar.
A secretária obedece, entra um homem tímido, ar meio macambúzio:
-Com licença, Excelência.
-Pode sentar, meu amigo, fique à vontade.
Depois dos cumprimentos e rapapés de praxe, Gomes entra no assunto:
-Eu vim aqui, doutor, porque as coisas andam meio difíceis: fui rebaixado lá na empresa onde trabalho e, como o senhor tinha me prometido, quando trabalhei em sua campanha, um emprego no seu gabinete...
-Pois é, Gomes – levantou-se Jonas -, eu prometi, mas nem sempre, infelizmente as coisas correm conforme o pretendido e planejado.  Lembro-me de que você foi cabo-eleitoral em minha campanha e reconheço os seus relevantes serviços prestados. No entanto, pressões de alguns setores injustificadamente avessos ao meu trabalho nesta casa legislativa me impedem de dar emprego a mais alguém, porque divulgam de forma vil e abjeta que superlotei o meu gabinete com funcionários, quando não fiz mais do que reconhecer meus laços de gratidão e de amizade com um número substancioso de pessoas, gesto aliás de quem tem inúmeros fiéis amigos, e por isso ficam dizendo que criei um cabide de empregos.  Desculpe-me, meu amigo Gomes, mas esse é o motivo de eu não poder atender ao seu mais do que justo pedido.  Esperemos que o tempo passe, meu bom amigo, e, tão logo parem de me perseguir, eu farei contato convocando-o para que  participe desta verdadeira frente democrática de trabalho que é o meu gabinete. - e estendeu a mão ao outro para um aperto e também para dispensá-lo.
Como o Gomes não era dado a insistências,  resignou-se, constrangido, despediu-se do deputado, a cabeça sempre baixa, Jonas deu-lhe uns tapinhas nas costas e o despachou delicadamente.
Depois da ida de Gomes, o político chamou a secretária:
-Sra. Daniela!
A moça entrou no gabinete:
-Pois não.
-Peça à recepcionista pra dizer que eu não estou, para não nos chamar em hipótese nenhuma, tranque a porta e depois volte, porque precisamos conversar.
A moça fez tudo o que o chefe mandou, postou-se diante dele, repetiu:
-Pois não.
Ele foi direto:
-Tira a roupinha toda, querida, que eu tô danadinho de desejo.
Ela sorriu, e a coisa pegou fogo em cima da mesa do Exmo. Deputado.

                                              

                              
   2
·
A senhora Paula Samira Gomes, membro do grupo de casais de uma igreja,  encarregada de organizar festividades e palestrante em algumas ocasiões,  orientava alguns noivos sobre comportamento conjugal
-Gosto sempre de citar Ruy Barbosa, que dizia que “a pátria é a família amplificada, e a família, divinamente constituída, tem por elementos a honra, a disciplina, a fidelidade, a benquerença, o sacrifício. É uma harmonia de vontades, uma desestudada permuta de abnegações, um tecido vivente de almas entrelaçadas. Multiplicai a célula, e tendes o organismo.Multiplicai a família, e tereis a pátria”.
“Pode tal citação parecer maçante, mas gosto sempre de repeti-la pra deixar bem clara a importância da família: vejam bem: a família é como uma das células que compõem o país, por isto os casamentos precisam dar certo, as famílias precisam ser sólidas e bem constituídas, e essas coisas se obtêm a partir do respeito mútuo, da fidelidade, da solidariedade, do amor entre os membros da família, amor este que se inicia entre o casal, de modo que o casamento não se dilua e nem tampouco a família.”
À noite a senhora Gomes chegou a casa, encontrou a filha macambúzia no quarto.
-O que houve, Paloma?  Aconteceu alguma coisa no colégio?
Após longa insistência, a menina fez a revelação bombástica: estava grávida. 
-Mais uma vez, Paloma?! - reagiu a mãe – Ah, Senhor, Meu Deus, compadecei-vos de mim! Imagine se seu pai sabe que você não é virgem.  Imagine também se a vizinhança e nossos amigos também descobrem.  - balança a cabeça, num meio lamento: - Veja só: dezesseis anos e já vai ter que fazer  o segundo aborto.  Assim tua saúde vai embora.  Vou ligar hoje mesmo pro Dr. Heleno e marcar um horário pra você. 
O celular de Paula toca, esta vê o número, se espanta, sussurra para quem está do outro lado da linha:
-Depois a gente se fala. Eu tô em casa. Minha filha tá aqui comigo, meu filho ou meu marido pode chegar a qualquer momento, me liga amanhã.
Uma voz de homem responde:
-Mas a gente vai voltar a se ver ainda esta semana? Tô com saudade.
-Também tô.
-Como é bom fazer amor com você!!
-Tá, meu anjo, idem! Mas amanhã eu te ligo, tá? Um beijo. - desliga a mulher o telefone.
-Quem é, mãe? - indaga a filha.
-É uma amiga lá da igreja. Mas você não tá em condições de querer saber nada. Devia ficar de castigo, um mês trancada no quarto, por atentar duas vezes à honra da família e aos santos desígnios do Senhor e se entregado antes do casamento e, pior, não se ter precavido de uma gravidez em dois episódios.
Paula deixa o quarto da filha, encontra Mara, a irmã, na sala:
-De onde você veio?
-Ué? Tava fazendo compras.
-Já sei: esteve na farmácia, na padaria e na loja de conveniência.
Mara ri meio sem graça:
-Pois é, eu precisava comprar algumas coisinhas... 
-Interessante você ser tão frequente nessas três casas comerciais. Se não estou enganada, minha irmã, você vive de troca de olhares e flertes com o balconista da farmácia, o dono da loja de conveniências e o português da padaria.  Você acha que isso fica bem, Mara, se os três são casados?  Além do mais, não pense que eu não percebo que vive chegando a casa acalorada e se atirando em banhos frios.
-Paula...!
-Não, não diga nada.  Você tem três anos de separada e ainda não tem um namorado ou marido, um homem respeitável que viva com você uma relação abençoada e sólida.  Prefere ao invés disso ficar gemendo nas madrugadas sob os lençóis e se dar a paqueras com esses homens casados...
-Fala baixo, Paula! A Paloma pode ouvir...
-Então resolva logo esse problema.  Trate de ter um homem responsável para não ficar sonhando aventuras e se dando a imoralidades...
-Mas, Paula, não arranjei ainda esse homem, e é verdade que um fogo quase incontrolável me consome. Mas você, por seu turno, minha irmã, me parece mais resoluta, porque ou eu estou muito enganada, ou você já proporcionou alegrias inenarráveis aos três comerciantes.
Paula não se embaraçou:
- Bem, agora quem tem que falar baixo é você.
- O que me diz então, minha irmã?
 -Digo que é melhor encerrar o assunto porque a Paloma tá lá no quarto e daqui a pouco o Gomes chega.
E não demorou mesmo para o homem chegar, triste, lamentoso, quase choroso, e contar a entrevista que tivera com Jonas.
-Aquele sujeito! - irritou-se Paula – Um dos políticos que mais esbanja verbas públicas com cabide de empregos e corrupção e ainda tem a coragem de te recusar?!
Anda de um para outro lado da casa, ressaltando as “qualidades” do político, toma uma decisão:
-Pode deixar! Amanhã mesmo eu vou falar com ele!
-Amanhã, não – pondera o marido -, porque ele só trabalha às quartas-feiras.
-Então vou estar no gabinete dele na próxima quarta, de manhã bem cedinho.
-De manhã, não, porque ele chega à uma da tarde.
-Então, tá!  Vou estar lá na semana que vem , quarta, à uma da tarde, no gabinete dele.
-Mas e se ele não te atender?
-Vai, sim, meu amor! Pode ficar tranquilo: ele vai ter que me atender!
- Você acha?
-Tenho certeza.
- Você é tão resoluta, minha querida!  Como eu te amo e te quero!
Ela o beija rapidamente nos lábios: 
- Eu te amo, meu amor.

3

No dia marcado, como  prometera, Paula estava no gabinete do deputado.
-Que diabo...!  - ele resmungava com a secretária – Se o Gomes já é um porre, imagine a mulher dele.  Já falei com ele:  o que ela quer mais?  Mas vá lá, vá lá! Mande entrar.
Quando a moça entrou e Jonas a examinou com os olhos dos pés à cabeça, ficou deslumbrado com o que vira:
-Boa tarde, senhora!  Como vai?! Em  que posso  lhe ser útil?
Paula também se esmerou em simpatias:
-Tudo bem, deputado, e o senhor?  Seu gabinete é muito aconchegante.
-Obrigado, senhora – Jonas agradecia enquanto se erguia de sua cadeira e ajeitava uma outra para a mulher se sentar.
-Obrigado, Excia.
-Não seja por isso...
Após ambos se acomodarem, Paula inicia uma sessão de rapapés:
-Eu queria em primeiro lugar parabenizá-lo por ter se saído bem do processo da "Operação Lava-Gato"... e pela habilidade e competência com que o conseguiu.
-Ora, amável senhora, atribuo mais a habilidade e competência aos meus advogados, mas o feliz desfecho da história credito à justiça divina e mesmo à justiça dos homens, porque, lugar-comum ou não, é absolutamente  verdadeiro o adágio que diz que "a Justiça tarda, mas não falha".   
-Estou de pleno acordo, nobre deputado.
-Homens como eu, devotados à causa do povo, que lutam pelo bem-estar da sociedade e para construir um país melhor para esta, não merecem ficar encarcerados ou submetidos a linchamentos da opinião pública por motivos menores e sem relevância.
-Nada mais entristecedor, querido deputado, do que um homem como o senhor, que com tanto ardor abraçou a causa do povo, ser injustiçado. 
-Obrigado, minha bela e adorável senhora... Obrigado...
Paula fez uma breve pausa, ajeitou-se na cadeira, disse de um modo quase afável:
-Excelência – e colocou a mão sobre a do homem – o assunto que me traz aqui é o meu marido.  Não sei se o senhor sabe, mas muito me entristece ver o meu marido melancólico...
Jonas sentia um calor lhe vir às faces e um desejo tocar-lhe o corpo, enquanto os dois se falavam com os olhos fixos um no outro:
-Posso compreender, querida senhora...
-E foi assim que ele chegou em casa, uma semana atrás, após chegar de seu gabinete, onde veio para pedir um emprego.
-Lamento muito, linda e tocante senhora... – e a sua voz ia ficando macia e melodiosa.
-Nobre deputado – ela falava da mesma maneira – eu sei perfeitamente das suas dificuldades para colocá-lo a trabalhar neste gabinete – e acariciava a mão do homem -, mas não há nada, nada, absolutamente nada que o senhor possa fazer?
Jonas estava hipnotizado, desvanecido:
-Doeu-me o coração, senhora... doeu-me muito mesmo, senhora...
Paula fez um semblante de tristeza, passou a língua nos lábios e o olhou bem fundo nos olhos. Jonas prosseguiu:
-Doeu tanto, querida senhora, acredite...  doeu tanto... que passei a semana pensando no assunto e resolvi reconsiderar... não só  por razões humanísticas... mas também porque este gabinete não poderia prescindir a eficiência de um funcionário como o seu marido.
-O senhor vai, então, lhe dar o emprego?
-Não tenha a mínima duvida, minha senhora.
-Ah, mas muito obrigada!
-Não agradeça, linda senhora...  Ele o merece... Aliás, não só ele... 
-Não só ele...?
-É, irresistível, senhora. Isto quer dizer que o seu poder de iniciativa, a sua fluência e o seu desembaraço, o seu senso de  justiça, só encontrados nas pessoas de elevado caráter, todos  os seus atributos me levam, se me permite, a também convidá-la a fazer parte de nossa equipe, que, a senhora verá, é uma verdadeira família. 
Paula não pôde esconder o contentamento: abriu largamente os braços e festejou:
-Deputado!!! Mas quanta alegria o senhor nos dá com esse convite! A mim e ao meu marido! O senhor imagina a magnitude do  seus gesto por nós!
-Não, senhora, mas fico feliz por vê-la assim, tão esfuziante e tão cheia de alegria.
Os dois se agarram as mãos novamente.
-Isto pede uma comemoração! - ela sugere.
-A senhora me daria a honra de esta noite jantar comigo?
-Deputado, mas como o senhor é gentil!  Vou onde o senhor quiser!
-Mesmo?
-Mesmo... - ela, bem maliciosa.
-Com o seu marido ou sozinha?
-Sem o meu marido, Excelência!  Com o senhor estou com Deus!
-Assim a senhora me comove...
-Que bom! É uma alegria comover um homem como o senhor.
Olhos  nos olhos,  mãos nas mãos, uma fogueira dentro de cada um.
-Senhora?
-Sim?
-Pode me fazer um favor?
-Claro.
- Avise por favor na outra sala que não quero ser incomodado e depois tranque a porta?
Ela lhe atendeu e depois voltou a sentar-se diante dele, olhou-o profundamente, com um olhar bastante malicioso:
- E agora, Excelência? O que deseja que eu faça?
- Desejo começar a nossa comemoração agora mesmo, senhora, antes de irmos jantar.
Paula mordeu os lábios e respondeu:
- Por falar em desejo, deputado, é exatamente o que sinto agora.
Jonas sorriu, apontou o sofá:
- Vamos ficar ali, minha ilustre senhora, e se ponha despida como veio a mundo.
A mulher não titubeou:
- Faço-o com o maior prazer, Excelência...
Deitaram-se no sofá, despidos.
- Sinto-me fervente, senhor, e algo igualmente quente invade meu corpo: é o seu eminente pênis de deputado.
- Que adentra sua respeitável vagina de veneranda mãe de família.

4


Naquela mesma noite o Gomes e Paula festejaram com os amigos.  A casa se encheu de convidados, maridos e esposas, umas  dez pessoas cirulando para lá e para cá.  Serviram uísque, vinho,  cerveja, champanha.
- Essa mulher só me dá motivos de orgulho. - dizia o Gomes enquanto a beijava no rosto.
Os amigos concordavam, parabenizavam o casal.  Tão concordantes estavam com o anfitrão, que, no momento de parabenizar o casal, um dos homens, num gesto de pura comoção exacerbada, não se conteve e apertou furtivamente a bunda de Paula.
- Contenha-se, meu gostosinho - ela lhe sussurrou ao ouvido - que o Gomes pode perceber.
- Não resisti, minha linda - ele também murmurou - A gente precisa se encontrar outra vez.
- Próxima terça.
- Tá bom, tesudinha.
A mulher do Gomes era uma simpatia.
Os filhos estavam bem trajados.  Paloma se recuperava do aborto feito no dia anterior e se mantinha sentada a um sofá, comedida nos movimentos e gestos.  Adriano, o filho mais novo, brincava com um tablet. Mara olhava os homens furtivamente, com os olhos concupiscentes, cuidando para que as esposas não a flagrassem. As conversas se cruzavam e se encontravam, elogiavam-se políticos e principalmente Jonas Jojoba pela sua competência em se sair bem da CPI do sexo dos anjos e do julgamento da "Operação Lava-Gato".  
A uma certa hora o celular de Paula tocou, esta reconheceu o número na bina, pediu licença aos  convivas para atender no quarto, onde havia silêncio.
- Roberto, seu bandido! Já disse pra você não me ligar à noite. 
- Eu tava com saudades. - o homem do outro lado argumentou.
- Já disse pra não ligar, depois a gente se fala, Roberto! - e desligou o telefone.
Depois voltou à sala e anunciou:
- Eu quero convidar todos vocês à missa em ação de graças que vou mandar rezar no domingo, às nove da manhã.  Missa que terá a presença do ilustre deputado Jonas Pereira Jojoba.  As pessoas aplaudiram, entusiasmadas, e todos prometeram a presença.  E o festim seguiu, bonito e perfumado.


                                                    
                                                                  
                                                              5


No dia da missa a igreja se encheu de gente.   Todos queriam ver Jonas de perto, cumprimentá-lo, se fazer simpáticos ao figurão.  O padre fez o sermão, falou da importância da família e dos políticos no cenário nacional.  Como não podia deixar de ser, a uma determinada hora Jonas fez um breve discurso:
- Queridos amigos e companheiros, é com profunda comoção e pejado de cristandade ainda maior que compareço a este evento religioso que abençoa e prima pela família.  Cada família, meus caros, é uma célula componente do corpo social, e, quanto mais saudáveis as famílias, mais saudável é a nação.  E é justamente por entender a importância de uma família sã e equilibrada, que quero parabenizar o exemplar pai de família, Antônio  Anta Gomes,  a dedicada, amantíssima e respeitável mãe de família, Paula Samira Gomes, e os filhos, Paloma Samira Gomes e Adriano Paulo Gomes, duas crianças de criação e comportamento exemplar, que têm na zelosíssima tia, Mara Samira Paranhos, uma segunda mãe.  Por favor, amigos e companheiros, peço uma salva de palmas para todos eles.
Os aplausos lotaram ainda mais a paróquia, e foi a vez de Paula dizer umas palavras:
- Muito obrigada, meus queridos irmãos!  Quero dizer a vocês que é a justiça divina que faz que homens como o deputado Jonas Pereira Jojoba ocupem o lugar que ocupam na sociedade, porque são defensores e verdadeiros baluartes da família, de Deus, da Pátria, que marcham juntos para construir uma sociedade magnânima, alta, vitoriosa e exemplarmente grandiosa!  Por isso, meus irmãos queridos, eu lhes peço que, em retribuição à homenagem a nós prestada pelo eminente parlamentar,  aplaudam-no por todo o respeito e veneração que ele merece!
Só faltou que as palmas explodissem a nave.
Terminada a missa, entretanto, Jonas, quando se viu sozinho com o casal Gomes, achegou-se aos cônjuges e lhes disse:
- Queridos amigos, esqueci de avisar-lhes de uma praxe que tenho em meu gabinete.  Como lhes falei, por conta de a imprensa estar sempre atenta a cada movimento meu após a CPI e o processo do semanalão, contratá-los foi um grande risco e um ato de coragem, e o meu senso de justiça preconiza  que todo ato de coragem deve ser recompensado.  Sendo assim, devo avisar-lhes que devem dividir seus salários comigo, que tanto dispendo, pagando para trabalhar em virtude das minhas ações  em prol desse povo que tanto amo.  Entendo que sempre Deus recompensa, mas penso que, se tenho a oportunidade, devo recompensar-me também, auxiliando o Senhor Supremo em me conceder a justa premiação.  Porque já disse o Senhor: "Faze por ti, e eu te ajudarei." 
O casal arregalou os olhos, boquiaberto. Jonas se despediu:
- Aproveitem bastante  este dia de grande júbilo e sejam muito felizes, muito felizes. Até segunda em meu gabinete.  Um excelente dia pra vocês.
Gomes e Paula se entreolharam, a mulher observou:
- Nosso padrão de vida não vai se elevar, meu querido.  Veja só o que ele fez! - e o abraçou entre prantos convulsos.
Chegaram a casa com um ar compungido de quem chega de um velório.  Sentaram-se, desanimados, exaustos.  Gomes levantou-se: 
- Vou tomar um banho.
Paula também se ergueu da poltrona:
- Vou tomar banho depois.  Agora vou até a casa da Cássia, porque em momentos assim ela sempre me apresenta o ombro amigo. - beijou rapidamente os lábios do marido e saiu.
No meio do caminho ligou do celular,  uma hora depois encontrava um homem numa rua discreta: 
- Amarildo, meu amor! Como eu preciso do teu ombro pra chorar. - e o abraçou e pranteou novamente de forma copiosa. Depois pediu: - Me leva pra fazer amor contigo, pra eu tentar aplacar esta dor que me maltrata.


A MULHER DO GOMES

A mulher do Gomes é uma simpatia:
Quando vê passando um rapaz vistoso,
Logo morde os lábios, se enche de alegria,
Lhe sorri de um modo muito afetuoso.

A mulher do Gomes é de grande apreço:
Os rapazes dizem que é tão sociável,
Que conhece algum, pega o endereço
E o visita e aperta – que mulher amável!

A mulher do Gomes é tão distraída,
Que, ao sair com este, perde-se na rua,
Quando  dá por si, desperta, exaurida
Num quarto de estranho, de ressaca e nua.

A mulher do Gomes é tão bem-querida
É por todos homens sempre elogiada,
E o marido a olha sempre enternecido,
E agradece aos anjos ter aquela fada.

                             II

(A DEFESA DA MULHER DO GOMES)

Mas com que motivo essa gente infame
Vive insinuando que sou leviana,
Se em meu altruísmo, só há quem me ame,
Se sou caridosa, de amizade insana?

Só porque o  carteiro, um rapaz garboso,
Se queixou do sol terrivelmente quente,
E eu, de um modo materno e afetuoso,
Me banhei com ele muito humildemente.

Só porque um rapaz, muito gentilmente,
Num final de tarde, num metrô lotado,
Para proteger-me, pôs-me à sua frente
E muito gememos, ternos e agarrados.

Só porque o vizinho é muito inspirado,
Diz ao meu ouvido verso arrepiante
Enquanto me abraça bastante apertado,
Ficam os canalhas nos dizendo amantes.

Só porque meu primo, homem de coragem,
Me conta seus feitos e brigas e glórias,
Eu eu lhe beijo o púbis de três tatuagens,
Já ficam dizendo que temos história.

Não sabe essa escória de língua ferina
Que eu sou tão carinho, tão afeto e paz,
Que vejo os humanos súplices, meninos,
Que a bondade minha é grande demais.



NOBREZAS DE PAPELÃO


Salve a família brasileira...
com suas virgens grávidas,
com suas tias ávidas,
com suas mães faceiras
e com seus pais cornudos!

Salve a história desta terra
com seus quinhentos anos...
com seus heróis de pano,
suas versões que enterram
tudo aquilo que é verdade!

Salve os homens da política
com seu trajar estético...
com seu agir aético,
sua moral raquítica
e seu cinismo sórdido!

Salve o ser religioso,
que cultua o Pai Eterno...
e agrada o rei do inferno
com seu verbo mentiroso
e seus atos de maldade!

Salve a mídia, que informa...
o que querem os mais fortes
e existe pra suporte
do poder, que só deforma
o país em que vivemos.

Por que tudo é inverdade,
é torpeza, é sofisma,
é embuste, é cinismo,
a mais pura falsidade
nesta terra de belezas?


20.05.2020