segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

foto - BARÃO, O CACHORRO DO QUAL ROUBEI O NOME



Este é o Barão, o saudoso animalzinho grande e brincalhão cujo nome roubei para formar a minha alcunha Barão da Mata.  
Sofri muito com a sua morte, em 1998.





Um detalhe; ele não era MEU cachorro, por isto a corrente.
2014

REBENTO AO PEITO

Se você me olhar qual moça enamorada,
com ar de quem suplica e ainda sonha,
serei suave assim como silente noite
somente maculada por acordes leves
que venham do longe pra nos comover.

Serei seu poema de amor infinito,
serei seu abrigo, aconchego e calor,
serei sua lira, dançarino e cantor,
brinquedo, ciranda, seu frevo e folia,
menino, seu pai, seu irmão, seu ardor.

Eterno até quando permita este mundo,
mas seu como os dedos e as palmas das mãos,
entregue aos seus olhos, seu corpo e su'alma,
serei seu pedaço, seremos um só,
serei qual rebento ao peito da mãe.

2013

O HOMEM E A CADELINHA DOENTE

O homem vinha dirigindo seu carro na rua Humaitá.  Uma cadela pequenina e doente, trôpega, estava  na pista, distraída.  Um tanto incauto, buzinou, para que o animal saísse da pista, e o resultado foi satisafatório: a cachorrinha, sarnenta e maltrapilha, subiu a calçada, e o motorista seguiu seu rumo.  Já bem adiante, algo bateu-lhe na mente, e ele refletiu por momentos, mudou o intinerário, tomu o caminho de retorno. Conseguiu reencontrar a cadelinha. Parou o carro, desceu, chamou-a, esta veio, e o homem a tomou no colo, doente, sarnenta, sofrida, depauperada.   Levou-a a um veterinário: a bichinha teve a sarna confirmada e tinha avançada e grave pneumonia,  e o seu novo amigo a levou consigo, decidido a lhe salvar a vida e proporcionar-lhe uma existência digna e sem os cruéis percalços das ruas.
E o mundo devia, desde o momento do resgate, ter parado para observar-lhe cada gesto e com ele obter senso de bondade e quem sabe aprender e copiá-lo.  O mundo devia ter parado para vê-lo naqueles momentos recolher o anjo, despojar-se de todo pecado e em anjo também  converter-se.   
A história é real.. Que a cachorrinha se salve, e os dois novos amigos sejam felizespara sempre

2013

OS DESAMADOS

ELA:

Meu rapaz é tão menino,
E eu passei da flor da idade;
Me rendi aos seus encantos,
Ele, ao saldo no meu banco.

Sou às vezes tão materna,
Ele, tão, mas tão meu filho,
Que me pede um dinheirão.
Eu lhe faço juras líricas, 
Ele fala em casamento,
Em seguro, garantias,
Com seus pés firmes no chão.

Eu lhe conto histórias lindas,
Ele conta os meus ativos.
Eu planejo mil viagens,
Ele, mil investimentos.

Eu me pego tão criança
Em sonhar coisas românticas,
Eu o encontro tão adulto, 
A falar em patrimônio.

Eu me nutro dos seus beijos,
Sou faminta do seu corpo,
Ele come a minha renda,
Tão voraz como um leão.

Eu me afundo em minhas dívidas,
A querê-lo eternamente,
Ele fica em suas dúvidas
De devermos prosseguir.

ELE:

Minha moça é tão bonita,
Tem a pele de veludo,
Somos unos, mas tão unos,
Que ela porta meus cartões.

Sou seu pai, mas tão seu pai,
Que ela vai até meus bolsos,
Retirando minhas notas,
Sai, me diz que volta logo
E só vem de manhã cedo,
Esgotada, embriagada,
Com aromas masculinos.

Eu lhe falo em vida eterna,
Ela lembra que é preciso
Que eu invista num jazigo
E lhe compre um bem imóvel.

Eu divago, meio tolo
Me sentindo principesco,
E ela diz que é necessário
Garantir o seu futuro.

Eu a faço inda mais bela,
Com vestidos, com ornatos
Que hoje fazem que me cheguem
Muitas cartas de cobrança.

Eu lhe conto meu desejo
De jamais nos separarmos,
Ela conta que no mundo
Nada pode ser eterno.

2013


O MILAGRE DOS MÚSICOS

Era a rua do Lavradio.
Era noite e, de repente, nas sacadas os músicos surgiram
E se deram a espalhar no ar os sons mais belos, melodias mais esplêndidas,
E a atmosfera se encheu de uma coisa milagrosa que não se descreve com palavras,
E brilhou nos olhos das pessoas o alumbramento de quem sente o amor nascer.

2013

foto - 1981


MOMENTO SUBLIME

Encontro a Madona deitada no chão.  Agacho-me e começo a lhe acarinhar a barriga peluda.  A cadela põe as quatro patinhas pro ar e se delicia, e eu fico a passar suavemente as mãos em seu ventre.  E o momento é tão sublime, que só uma alminha de cachorro pode entender.

2013

A MORTE DO ANJO

A saudade me corrói por dentro como um ácido
E me dói como lança furando a carne lentamente:
Vi morrer Snoopy, meu cachorro, que era um anjo
Com toda a pureza e sublimidade de um anjo verdadeiro.
E minha dor é inda mais cruel porque não creio
Que ele esteja n'algum mundo angelical ou diferente.

2013

QUIETA, ALMA!

Sossega, alma que incendeia tanto,
Que deseja,anseia e que tanto palpita,
Como fora um trovador enlouquecido,
Como um guerreiro totalmente enfurecido.
Quieta, alma que não tem limites!
Que se quer soltar pelo universo
E que almeja arder em tanto, tanto leito,
Se aprazer da embriaguez de Dionísio,
Copular com deusas, ninfas e valquírias,
Singrar os sete mares deste mundo,
Dançar um samba em frenesi mirabolante,
Viver a vida, a morte e mil prazeres
E se deixar embevecer das noites de luar.
Deita, alma, e te aquieta no teu leito,
Repousa e te contenta do que é doce
E é suave, não do vinho,
Que inebria e que te assanha em demasia
E faz que tu te firas tão profundo
E que percas tua paz tão preciosa.

2012

O CASAL

Aquele homem
Com olhos noturnos e opacos
E aqueles olhos
Tão cheios de aurora da moça
Que tinham a ver entre si?

Aquele rosto
Coberto de sombras do homem
E aquelas faces
Rosadas de vida da bela
Por que estavam diabos unidos?

A noite muda
E negra em garoa de inverno
E a primavera
Ornada de flores e sol
Que tinham, meu Deus, em comum?
A vida e a morte abraçadas,
A água e o fogo casados
Como podia? - me diga, meu Deus!

2013

AMOR MENDIGO

Ainda amo Janice,
Embora a danada me seja
Motivo de tanto chorar.

Ainda amo Janice,
Embora me tenha traído
Com todo o bairro onde moro.

Ainda amo Janice,
Embora ela me destroce
O coração por inteiro.

Ainda amo Janice,
embora eu tenha amargado
Seis meses de cela por ela.

Ainda amo Janice,
Embora se ria sempre
Que alguém lhe fala meu nome.

Ainda amo Janice,
Embora me tenha apontado
A porta da rua entre risos.

Ainda amo Janice,
Embora me tenha secado
Os bolsos pra todo o sempre.

Ainda amo Janice,
Embora me tenha o desprezo
Que só pelos vermes se tem.

Ainda amo Janice,
Embora esvazie por ela
Dois litros de cana por dia.

Ainda amo Janice
Com seu rosto inchado de álcool
E suas pernas arcadas.

Ainda amo Janice
E sonho co'a morte pra tê-la
Na outra vida após esta.

2013

BELA

Debalde
Tento às vezes desenhar-te em poemas
De seda
Que me nascem do peito tão cálido,
Que brilham
Nos meus olhos alumbrados e ternos,
Tão plena
É minh'alma de emoções que palpitam,
Tão bela
Te vejo e bem és na verdade
Desnuda,
Estendida sobre a cama de ardores,
A sede
Estampada no rosto bonito
Qual versos
Mais lindos já vistos no mundo,
Gazela
Selvagem em busca do amor.

2013

foto - pista do Aterro, Rio de Janeiro


POETAR NATURALMENTE

Fazer versos como quem deixa o arranjo adentrar a alma leve
E solta a voz a cantar naturalmente,
Como quem deixa arrebatar o corpo a melodia
E solta o corpo a dançar tão simplesmente:
É assim, com natural simplicidade e envolvimento,
Que eu desejo sempre poetar.

2013

DESEJO II

Não quero beber da cerveja,
Só quero beber dessa orgia,
Não quero sorver o conhaque,
Só quero beijar a morena
Com olhos de poesia.

Não quero uma dose de vodca:
Apenas roçar minha pele
Na loura tão arredia.
Não quero provar do vinho,
Desejo lamber a negra
Que dança e há pouco sorria.

Não quero me embriagar
Senão dos sabores lascivos
Da noite de tanta alegria.

2013

CANÇÃO AFRICANA

Era lindo
O canto dos homens retintos,
As vozes dos negros em coro,
O coro de tanta harmonia
E as ondas quebrando no mar.

Rebrilhava
A lua amarela nas águas,
A luz do farol sobre a areia.
O céu com o mar se encontrava
Formando um escuro horizonte.

E na música
Se ouviam as vozes da África,
Chegava a lembrança do escravo,
A história pejada de agruras,
Os povos sofridos de agora.
Mas, tão bela,
Trazia a canção tanto mito,
As selvas, as tribos, os deuses,
Viagem tão longa no tempo,
Tão rica e tão vária amplidão.

2012

A QUE SONHAVA

Sonhava,
Insana,
Tantos sonhos descabidos
E varava madrugadas
Tão distante deste mundo
E contava então estrelas.

Bebia
À noite
E se dava aos seus amores,
Venerava seus amantes
Em ternuras obscenas,
Numa chama sem igual.

Plantava
Sonhos
Onde quer que conversasse.
Tinha um verbo tão sem mágoa,
Tão ornado de utopia,
Que encantava seus ouvintes.

Casou-se
Um dia
E se viu parindo filhos,
Viu morrer seus devaneios.
E, então crua e um tanto triste,
Se mostrou de pés no chão.

2013

OSVALDO

Se não fosse o bar,
A mesa, essa mulher e a noite fria,
Que seria, Osvaldo, conta, do teu dia?

Se não fosse a noite,
O bar, essa mulher e a mesa fria,
Quanta tristeza, Osvaldo, tu ruminarias?

Se não fosse a mesa,
O bar, a noite e a mulher fria,
Quanto desejo de morrer tu sentirias?

Se não  fosse o porre,
O fumo, o som e tanta orgia,
A tua alma qual bem é tu bem verias.

Se não fosse a dança,
Essa lascívia e as moças libertinas,
Como a ti, meu caro, tu suportarias?

Se não fosse a esbórnia,
Os peitos, coxas, o fetiche, a fantasia,
O quão solitário agora tu te encontrarias?

Se a realidade
Parecesse doce ao teu palato, à tua língua,
Na bandida noite, eu sei, não estarias.

2012

OS BECOS

Ah! Os becos
Mergulhados no silêncio,
Numa escura quietude.
Há alguém
Que se evade, escorregando
Por paredes desbotadas.
Ah! Os becos
Dos lascivos namorados,
Das mordidas nas orelhas
E murmúrios sem pudor.
Ah! Os becos
Quase mudos da cidade,
Destilando amor e crime
Com perigo e poesia.
Ah! Os becos
Quase sempre entristecidos,
Numa calma de pintura,
Com seu ar de solidão.

2013

HIPOCRISIA

Se soltasse seus desejos mais infames,
Que nem sempre, bem sei, você contém.
Se exercesse as vontades ignóbeis,
Que esconde como a um filho monstruoso,
Num esforço sem medida e sobre-humano...

Se deixasse voar livre os maus instintos,
Se tornando ser nefasto, pavoroso
E se abrisse sua caixa de maldades
De egoísmo, de vilezas e ganâncias,
Tudo isso, se somado, não teria
O tamanho dessa sua hipocrisia.

2013