O deputado Breno Tomasini acordou com a insistência toque do celular, esfregou aas mãos nos olhos, olhou o identificador do aparelho e apressou-se em atender:
--Fala Marcondes! Como é que tão as coisas?
Do outro lado, num tom arrogante, o outro, um chefe miliciano de peso, devolveu:
--Você é quem deve saber. Há dias que tá circulando na imprensa essa história de união das polícias no combate às organizações. O que é que vai acontecer? Vamos acabar todos trancafiados?
--Calma, amigo! Você viu que tem um bocado de gente contra: governadores, congressistas, porque isso vai encher muito a bola do governo federal, e a última coisa que a gente quer é esse cara que tá aí reeleito... ou qualquer um de fora da direita, claro! Eu, de minha parte, vou fazer muito lobby contrário na Câmara.
--Eu também vi isso no noticiário, mas esperei uma informação tua. Essa sacanagem não pode passar.
--Passar!!!??? - gargalhou Bruno -- Pode crer que isso não vai ser nem votado! Não vai sequer ser enviado a nenhuma comissão.
-- Um descalabro isso!!!! Afinal de contas, nós somos poder com grande capacidade de ação e importância, e temos de quer ser respeitados como tal.
--Lógico, amigo! O governo não tem força no Congresso pra atingir a gente.
-- Isso é verdade...
--Agora tem uma coisa! -- o deputado agora fala de um modo mais austero -- Tenho pensado muito e visto que o momento é de diálogo. Diálogo e união. Tem que haver pelo menos uma trégua com o tráfico.
O miliciano fica em silêncio por alguns momentos e a seguir concorda:
--Já tem alguns grupos nossos conversando com os caras. Não são todos, mas acho que isso é válido, é construtivo...
--Inclusive amplia o leque de opções da organização...
--Pois é, pois é! Em alguns casos isso tem acontecido. Tenho conversado com o Rogério, que fazia a segurança do Adriano Ferraz, que não se reelegeu e agora deixou ele fora do serviço público, mas o cara é ruim de conversa demais...
--Para de falar com ele, ora! Marcondes, passa a falar agora com o Edvaldo, que é o chefe dele e é mais fácil de negociar. O Rogério é cabeça-dura: nem sei por que o Edvaldo confia tanto nele: vai acabar se metendo numa fria por causa da incapacidade do outro.
--Boa ideia, Bruno!
--Olha, Marcondes! O Edvaldo também é carne-de-pescoço. É radical, meio teimoso, mas tem uma pessoa que tem que mediar a conversa entre vocês.
--Quem? -- quis saber Marcondes.
--O Mateus, o pastor, porque tem muito prestígio com o Edvaldo, já que a igreja dele deixa a grana do sujeito limpinha... Tem um puta trânsito com ele!
--Isso é muito bom, parceiro. Vou dar até um pulinho na igreja daqui a pouco. vou ter uma conversa com ele. Como eu já disse, não tenho preconceito. Se tem que negociar com os caras, a gente negocia. Se alguns companheiros de outras áreas já fizeram acordo, por que meu grupo não?
--Isso aí, Marcondes!
--O importante é a gente permanecer fortes.
E a reunião se deu uma semana depois, num clube que as partes fecharam exclusivamente para ela, num cenário cheio de seguranças armados de ambos os lados, com a presença do pastor e de alguns líderes do tráfico e da milícia. Rogério tentou fazer algumas objeções, mas Edvaldo não lhe deu ouvidos.
--Essa união já acontece em algumas regiões, não todas, mas em algumas, mas eu acho que no momento é o melhor.
--A proposta do governo federal -- observou Marcondes -- pode nos deixar meio em xeque...
--Não! -- atalhou Edvaldo -- "Nós tem" parceiro em tudo que é canto, e acho difícil uma coisa dessa ir pra frente. "Nós tem" que se unir é pra ficar mais forte, não por causa disso.
--Mas tem uma putada na política -- insistiu o miliciano -- que é osso duro de roer: é essa esquerda filha da puta! Eles são capazes de fazer uma ´pressão fodida...
--Cá pra nós, "cumpádi". Tu sabe que essa esquerda tá sem força nenhuma, tem pouca gente dela na política no geral e não é ameaça pra ninguém.
--Olhando por aí você tem razão -- aceitou o chefe da milícia.
Edvaldo ergueu e levantou a mão direita:
--"Nós sela" aqui um acordo de cooperação e lealdade, e ninguém invade o território de ninguém, e trabalhamos juntos ali, ombro a ombro, todos pelo bem-estar de todos.
Várias mãos se juntaram naquele gesto simbólico, e o pastor Mateus postou a sua sobre elas e vociferou:
--Com a bênção de Jesus Cristo, nosso Senhor!
--Amém!!! -- secundaram as outras vozes.