sexta-feira, 10 de maio de 2019

POR QUE GOSTAMOS DOS ASSASSINOS DO CINEMA AMERICANO?



Por que os assassinos frios do cinema americano nos fascinam tanto?  
São facínoras com todas as letras, personagens capazes de matar ou mandar fazê-lo com a serenidade e tranquilidade de quem acende um isqueiro ou penteia os cabelos.   São frios, insensíveis, demoníacos, impiedosos, intrépidos, seguros, pragmáticos, racionais e determinados.  Por alguns desses atributos (ou todos)gostamos deles?
Um personagem como Hannibal Lecter, interpretado por Antony Hopkins em roteiro de David Mamet, Martha de Laurent e Thomas Harris, sob direção de Ridley Scott... um homem como o psiquiatra louco, ignóbil, canibal  vivido pelo veterano ator seria, na vida real,  de provocar repulsa, ódio, abominação, aversão, pavor.   Entretanto, por estar nos limites da ficção e ser dotado de grande talento, inteligência, ilustração e um refinamento britânico (o que é o caso do ator, nascido no País de Gales), conta com a nossa admiração e simpatia, nossa torcida por sucesso no embate  com seus inimigos.
O mesmo se dá com relação a Raymond Reddington, vivido por  James   Spader em "Lista Negra", roteiro de John Eisendrad e Jon Bokenkamp, direção diversificada conforme as temporadas.  Reddington é muito parecido com  Hannibal, igualmente brilhante embora não ligado às ciências, mas capaz de suplantar o médico em sarcasmo, além de ser expert em manobras políticas e criminosas.  Se há algum plágio, não caberá a mim verificar: gosto igualmente de ambos, sou fã de carteirinha do seriado, dos dois roteiros e dos dois assassinos, como dos dois atores, é claro.
Na vida cotidiana eu me mudaria da cidade onde pisasse Raymond, por me sentir ameçado e injuriado com a presença de matador tão frio.  Mas a ironia do criminoso  e a sua situação ficcional fazem-no a mim extremamente simpático e bom de ver em ação.
O terceiro assassino a que faço alusão é extremamente antigo: Michael Corleone, encarnado por Al Pacino na trilogia "O Poderoso Chefão"( 1972, 1974 e 1990), baseada na obra de Mario Puzzo e dirigida por Francis Ford Copolla.  Michael é, como os outros, igualmente frio, também brilhante nas articulações, mas de uma natureza austera, sucinto, instrospectivo, expressão fria e firme nas decisões.  Avaro nas palavras, às vezes ordena a morte com um leve gesto de cabeça ou um simples olhar. 
Se todos são criminosos, assassinos frios e sanguinários, por que gostamos deles?  Por estarem confinados na ficção e termos um instinto assassino latente que por intermédio deles exercemos de forma simbólica? Por sua inteligência e competência, seu sucesso e sua firmeza e coragem?  Ou por de algum modo virem acudir o nosso senso de justiça, já que, embora criminosos de causas longe de serem nobres,  sempre eliminam outros meliantes ainda menos desprovidos de caráter do que eles? Ou por tudo isso ao mesmo tempo?
Reddington ainda tem uma ética que, embora inabitual, é existente e consonante com os padrões mais comuns, e mata às vezes em defesa dessa ética. Enquanto os outros não têm compromisso com moral nenhuma. Mas no frigir dos ovos são todos  sociopatas: por que então os perdoamos?   Se eu visse alguém ser assassinado, levaria meses frquentando os consultórios psiquiátricos e os divãs, mas por que, como muitos outros espectadores, gosto de vê-los fazer justiça com as próprias mãos?   Abomino a violência, não tenho vísceras pra presenciá-la e, porém, gosto quando esses personagens infligem castigos aos seus desafetos.
Em conclusão, acho que os colocamos no mesmo altar dos policiais e heróis americanos, idolatramos mocinhos e bandidos que fazem justiça na ficção porque muito raramente a presenciamos na realidade.

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