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domingo, 23 de fevereiro de 2025

A MÚSICA E A RUA

 A rua, essa gente

que segue, que passa

pr'um lado, outro lado,

meus fones de ouvido: 

que música linda!


A gente, esse tráfego,

os carros, o asfalto, 

as motos ruidosas

quebrando a canção

tão doce de ouvir.


Alguém que pragueja

o que nem imagino;

mas nem me interesso:

que notas sublimes!

Nasceram no Céu?


A gente passando,

os carros parando

diante dos olhos

cansados de carros,

cansados de gente.


As cores mais várias,

pessoas aos montes,

sorrisos, conversas...

Cantiga tão linda

que quase chorei.


domingo, 16 de fevereiro de 2025

DIAS GOMES, O TITÃ DA CRIAÇÃO

 Um  homem, tentando pagar uma promessa (pela sobrevivência de seu burro a uma hemorragia), carrega uma cruz com o fito de colocá-la no altar de uma igreja, empreitada na qual não conta com o consentimento do padre da paróquia, e isso gera publicidade à sua história, fazendo que a imprensa, ávida de matérias e de sensacionalismo, o entreviste e, por seu relato de ter doado parte de suas terras a outros lavradores, sem arrependimento,   declare-o favorável à reforma agrária, ao mesmo tempo em que um gigolô e ex-policial com alcunha de Bonitão (Sill Farney), interessado em sua mulher(Glória Menezes), "delata-o" aos ex-colegas da polícia como comunista arrastando o  objeto como forma de protesto.   Zé do Burro (Leonardo Villar), o protagonista de "O Pagador de Promessa", peça anedótica  de  profunda dramaticidade de Dias Gomes, sofre gravíssimas consequências decorrentes da calúnia do gigolô e da mídia despudorada.

Outro grande momento da genial obra do autor é "O Bem-Amado", em que Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), um político sem caráter nem projeto da imaginária  cidade de Sucupira, na Bahia,  candidata-se a prefeito, prometendo aos habitantes do município um cemitério próprio (já que enterravam seus mortos na cidade vizinha, em longas caminhadas com seus defuntos na rede).  Vencendo a eleição, constrói o sepulcrário, mas começa a partir daí a sofrer um imenso  desgaste por ter gasto uma verba significativa numa construção que mostrou-se inútil, porque não conseguia inaugurar o cemitério de modo algum, já que ninguém morria após a conclusão da obra.

Numa outra diferente ocasião da vasta e genial criação de Dias Gomes, um novo drama anedótico conta a história de "Roque Santeiro", personagem-título de uma telenovela (José Wilker),  um jovem que confeccionava estátuas de santos e, num certa oportunidade de periculosidade  em Asa Branca, também cidade fictícia da Bahia, uma quadrilha domina e ameaça a cidade, e Roque, ao fazer-se portador do resgate que Sinhozinho Malta (Lima Duarte), pecuarista e chefe político da região,  pagaria a Navalhada (Osvaldo Loureiro) e seus comparsas, acaba por cair em tentação e se apropria do dinheiro e mais, leva consigo também o ostensório da igreja e foge.  Um corpo encontrado na beira de um rio é identificado equivocadamente como o cadáver de Roque, que acharam que teria enfrentado o bando até ser assassinado, e posteriormente virado santo, operando uma infinidade de milagres.

A partir daí, a cidade passa a desenvolver-se, com a implantação de comércio, indústria, hospedagens, boate e outros elementos de progresso, por conta da frequente ida de romarias e fiéis a Asa Branca para pagamento de promessas e louvores ao suposto santo.  O município passou a ter a sua economia quase totalmente sustentada pelo turismo e pela fé das pessoas no mito.

Tudo ficaria na mais perfeita paz se um dia Roque não resolvesse voltar à cidade para se redimir dos seus erros.  É quando tudo se complica, porque revelar a verdade a Asa Branca a faria desmoronar, porque significaria o fim da ocorrência de romeiros, da venda e fabricação de velas e artigos religiosos, do comércio, da indústria e de toda a atividade econômica naquela terra, com consequente falta de investimento, recessão, desemprego e miséria.

Em todas as três comédias dramáticas está o brilhantismo de Dias Gomes, que em seu mais grandioso talento sabia usar realismo e surrealismo, humor e tragédia, com personagens intrinsecamente ligados à realidade brasileira, como Sinhozinho Malta, tão bem-interpretado por Lima Duarte, que fazia que em certas horas eu sentisse raiva e desprezo pelo latifundiário para logo depois me cutucar e lembrar de que era só a interpretação primorosa de Lima Duarte.  A referência ao ator, aliás, é bastante oportuna, porque Lima como Wilker, Gracindo, Cláudio Cavalcante e outros pareciam incorporar com absoluto perfeccionismo os seus papéis por extremo respeito, dedicação e uma quase veneração ao trabalho esplêndido e magistral de Dias Gomes.


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

SUBLIMAÇÃO: DEVANEIO?

 Deixar a paz entrar por cada poro assim como uma água sacrossanta que sublima, enleva e eleva doce e plenamente um ser humano.  Sentir o amor tocar a alma fundamente e fazê-la tão repleta desse amor que ele se emane por todo o derredor como fachos de luz branca a se expandir.  Sentir  a harmonia e irradiá-la pelo cosmo, numa purificação absoluta.

Amar numa entrega plena e cheia de delicadeza.  Amar e buscar alguma coisa transcendente para, então unidos, espalharmos benesses sobre as amadas criaturas.  Cultivar os meus desejos mais benevolentes como quem cultiva flores nos jardins.  Contatar intimamente o metafísico e sentir-me e saber-me parte dele, sem limite que nos possa separar.

Notar que a música e a sagrada natureza, a arte e os olhos angelicais dos animais, também sagrados,  como toda, toda forma de alumbramento e poesia, nos conduz numa viagem magnífica à intimidade, à harmonia e à unicidade com tudo aquilo que vivemos a chamar de transcendentes.

Ou seremos nós mesmos, quando despojados da maldade e alumbrados, a própria transcendência que pensamos ser exterior?


UMA QUASE-PRECE UTÓPICA

 Não seja, não, o tempo  hoje o prenúncio de uma era de ódios predominantes e de embates, de martírio e de profusões de carnificinas.  Não seja, não, ainda que o sobrenatural se faça existente e que venha interceder.  Não fique, não, o mundo nas mãos  de bestas medonhas, com corpos mutilados e ensanguentados em campos de batalha e os calabouços e infernais porões cheirando a mofo, a sangue e a fluidos putrefatos das torturas lancinantes entre os gritos assombrosos e impregnados das dores tenebrosas que é impossível descrever.

Que venham os dias de paz e calmaria, e os mais fortes permitam aos mais fracos o sossego e a harmonia a que todo ser tem o direito mais sagrado.

Que a justiça se sobreponha à vil ganância e acima de tudo paire a paz e a compaixão.  Que os povos todos se tornem livres, soberanos, e as sociedades vivam de mãos dadas, no arrefecimento das tão cruéis desigualdades.

Que viver seja leve, doce para toda criatura, para todo e qualquer ser.


 Existirão forças racionais no Universo a quem nós, humanos, possamos rogar e nos amparar?  Serão, se existentes tais forças, sensíveis aos nossos clamores ou absolutamente indiferentes a nossos dramas e anseios?   Ou seremos nós mesmos a fonte de poderes grandes ou pequenos que atribuímos a outras entidades?   Ou não há em nós e no cosmo nada além do que os óbvios cinco sentidos captam?  Se somos o que há de energia mental que pode porventura mudar ou direcionar fatos unicamente com o poder do pensamento,  o que ocorrerá depois de nossa morte?  A consciência sobrevivendo à morte do corpo ou o puro e simples fim de tudo, um mergulho profundo no mais completo nada?

Não sou resposta, sou apenas a manifestação das dúvidas inquietantes e aflitivas dos humanos diante do desconhecido.