quinta-feira, 31 de outubro de 2024

MORRE ARTHUR MOREIRA LIMA AOS 84 ANOS

 Não vai daqui uma homenagem, porque sou simplesmente avesso a homenagens. Até porque sempre é praxe que elas venham impregnadas da repulsiva hipocrisia. Prefiro exaltar de modo eufórico o talento e a sublimidade, e acho que Arthur Moreira Lima reunia as duas coisas.

Não me caberia fazer-lhe um poema, porque pareceria (e seria) oportunismo, e ele já era poesia simplesmente. 

Sempre tive uma simpatia especial por Moreira Lima, talvez ampliada pelo fato de sabê-lo progressista num Brasil desprezivelmente retrógrado e fascistoide.  Nutria por ele um certo carinho apesar de não conhecê-lo pessoalmente.  Coloco-o no rol das pessoas que acho grandiosas, pela sua arte e sua índole.

O tempo passou e Arthur envelheceu e morreu, e a morte na velhice, embora doa nos mais próximos, não deixa espaço para inconformismos -- a não ser pela própria existência da morte e pela própria cruel natureza das coisas.  Mas Arthur Moreira Lima foi longevo e morreu, e eu, embora não esteja sofrendo, me sinto tocado, comovido, com uma leve ponta de tristeza.  A morte libertou-o do sofrimento do câncer, e isso consola quem fica.  Mas é uma pena a gente perder alguém como ele.




PARTE...!

 Parte e suaviza a casa em tons de paz

Da tua ausência tão somente.

Parte ainda madrugada

E deixa a manhã chegar perplexa

Da leveza do sossego simplesmente.


Minha poesia irá encontrar o dia ainda preguiçoso

E os passarinhos cantando vivamente,

Como se festejassem também tua partida.

E eu contemplarei o dia alegremente,

E  me darei a versejar doçuras,

Como tocasse, embevecido, um violão

E flutuasse e viajasse nos acordes mais bonitos.

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

QUADRO SEM COR

 Hoje nem cantei de manhã,

Hoje nem vi o sol raiar.

Acho que nem houve manhã

Depois que você me deixou.


Hoje nem falei de esperança,

Hoje nem ouvi melodias

Nem sequer vi rumo a seguir:

Sem você, meu norte perdi.


O dia é estático, imóvel,

É bem como um quadro sem cor,

Sem tom, sem figura ou paisagem:

Meu mundo calou-se e parou.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

UM CENÁRIO INFINITAMENTE DEPLORÁVEL

 

O Brasil já perdeu um terço de sua área verde (florestas, biomas com animais agora mortos por incineração).  Avisto sempre de casa incêndios dolosos em áreas de preservação ambiental e ligo para o Corpo de Bombeiros, que já não tem mais como atender a tanta demanda: afinal é um país inteiro.

Ou são latifundiários para grilar terras ou criar pastos para gado ou espaço para plantação de soja, ou são milicianos ou traficantes querendo construir condomínios ou erguer favelas para ampliar seus "negócios", ou são simples vândalos perversos como os outros, que têm o simples prazer de queimar tudo o que é verde e tudo o que é vivo.  Mas o grande fato, em suma, é que as matas brasileiras estão ardendo em chamas, e cada incêndio debelado por brigadistas é logo a seguir reateado.  Essa gente tem síndrome de Nero, é movida antes de tudo por maus, por pavorosos instintos... e fica impune, simplesmente impune.  

Se em "ROMARIA" o Drummond diz que "Jesus (...) dorme sonhando com outra


humanidade", nós, que respeitamos a natureza e a vida, precisamos sonhar com outra sociedade.  Uma sociedade menos demoníaca e menos putrefata no seu caráter.

FECHA AS PORTAS D'ALMA

 Sai às ruas, abre os braços,

Busca a orquestra, a claridade,

Busca o sol que há nas pessoas,

Busca o dia mais bonito

E a vontade de cantar.


Mas me dizes que lá fora

Não tem rua ou claridade,

Se há orquestra, nunca ouviste,

E as pessoas não têm sol.


Então, fica em tua casa,

Te enclausura no teu mundo,

Tranca as portas do teu mundo,

Submerge todo em ti.



MINHA MORTE

 Morri com a cabeça no travesseiro,

Embora preferisse que houvesse acontecido

Numa mesa bem fria de concreto

De uma praça qualquer do fim do mundo 


Entrei na escuridão de minh'alma tão ferida

E ali fiquei  num torpor descomunal.

Não vi fantasmas ou, se acaso os avistei,

Ignorei-os, sem susto e sem temor,

Sentindo a tristeza, sombria, a me enlaçar.


Se morri, me afundei nas tocas fundas

E cavernas escuras do meu coração.

Mas não há céu, inferno, só negror,

A quietude mais silente do sepulcro

Que existe bem dentro aqui de mim.

O AMOR E AS ALMAS

 Não, um deus onipotente não há, não, de haver,

Se as crueldades impunes que grassam no planeta

Não lhe permitiriam nunca ser absolvido.


Não há de haver Deus, mas alminhas pros bichinhos

Que morrem nas queimadas perversas do Brasil.

Há de haver alma pra lagartixinha diminuta

Que matei em minha casa, sem querer.


Há de haver uma alminha para cada cachorrinho

Que brincou e que latiu em minha vida

E se foi, me deixando uma tristeza sem tamanho.


Há de haver almas para meus humanos mortos,

Que me fizeram viver mais o passado que o presente.


Há de haver uma alminha para o grilo que eu ouvi

Cantar dentro de casa toda noite

E um dia encontrei sofrendo pra morrer.


O amor é mais amplamente universal do que se pensa

E se estende também ao seres diminutos.

O amor não aceita, não digere o que é a morte,

Porque o verdadeiro amor nunca se aprende

Nas pregações conformistas de Jesus

Ou de qualquer profeta aqui do mundo:

O amor é bem maior que o Universo,

Que qualquer amor que nos queiram ensinar.


sábado, 12 de outubro de 2024

ALÉM DA FIDELIDADE

 Sei que o amas e admiras,

Mas te peço: dá-te a mim

Como nada mais houvesse,

Como musa apaixonada

Num furor angelical.


Tenho aquela que me encanta,

Mas te quero num afã

De um amante romanesco:

No teu beijo, no teu corpo,

Quero entrar no paraíso.


Vem criar comigo um mundo

Pelo amor todo estrelado.

Vem fazer deste momento

A mais plena eternidade

E um luar só de nós dois.


AS PESSOAS DE CENTRO E A HIPOCRISIA

 Conheço várias pessoas de centro. Alguns são umbandistas, outros, candomblecistas  e vai por aí adiante.  Mas politicamente não existe, no mundo, ninguém de centro.  O que há são direitistas que se dizem centristas.  Quais são as posições políticas de quem é de centro? Não são contra nem a favor do capitalismo selvagem e do estatismo socialista? Ou são a favor de tudo?  Impossível.  Quem quer um capitalismo mitigado, com priorização dos direitos sociais e consequente melhor distribuição de renda é, portanto, de centro-esquerda e social-democrata como eu.  Quem preconiza direitos sociais limitados por colocar a economia de mercado e a concentração de renda  em primeiro plano é de centro-direita.  A extrema-direita é a direita raivosa e destrutiva como Bolsonaro e seus asseclas. A extrema-esquerda é igualmente raivosa e pode ser igualmente demolidora.  Mas centro, centro, centro mesmo não existe.  Fiquem de olho nos jornalistas da grande mídia e nos políticos que tentam se passar por centristas e usem o filtro cerebral para entender tudo o que eles realmente pretendem com suas informações, opiniões, atuações e, no caso específico dos políticos, projetos e promessas.  Por trás de cada sílaba da fala dessa gente há sempre uma intenção suspeita.