segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O MANUAL DO PENSAMENTO PADRONIZADO

Ando cansado de ouvir que sou mal-humorado, rabugento, brigado com a vida, essas coisas do gênero. Não posso dizer que eu seja um campeão de bom-humor, mas as pessoas se equivocam quando fazem as observações de que falo. Porque o que a elas parece azedume de humor é na verdade o meu senso crítico. É preciso que elas separem o joio do trigo: alguém que analisa algo racionalmente, sem envolvimentos emocionais, e tem uma visão crítica e analítica das coisas não pode levar as pechas que tenho levado.
Quando ouço uma emissora de rádio e alguém elogia algum artista ou música que não é do meu agrado, exponho minha opinião e tento justificá-la, sem me limitar àqueles "não gosto não" sem fundamentação. E assim me comporto quando tenho uma avaliação negativa sobre telenovela, filme, programa de tevê, poema, política e político, personagens da história e vai por aí adiante. O meu grande problema é com as unanimidades ou tudo aquilo de que a maioria gosta porque a mídia decidiu que é bom. Acho que elas, já tão acostumadas a se orientar pela imprensa antes de ter uma opinião ou postura sobre alguma coisa, deveriam comprar, nas bancas de jornais, um manual do pensamento padronizado pelos veículos de comunicação. Pronto! Aí ficaria tudo certo. Embora o tal manual ainda não exista, quero sugerir que as editoras o criem e o publiquem mensalmente, determinando quais as boas músicas e os bons trabalhos artísticos, os bons políticos, os bons filmes, etc...etc... Se a coisa der certo, o cara nem precisará ir comprar o manual: poderá baixá-lo pela internet. Já imaginou?
Fico me sentindo um marciano por não gostar de "reality-show", de programa de auditório, de telenovela (vi algumas boas, como Roque Santeiro, no passado, mas hoje não dá), de filme de porrada e tiroteio, de história de amor mela-cueca, de dramalhão, de comédia-garotão-sem-cérebro, de overdose de futebol, de enredos e roteiros baratos e de pouco conteúdo.
Fico impressionado com o fato de as pessoas serem estereotipadas não só na indumentária e nos hábitos, mas principalmente no pensamento. Parecem um monte de robôs de uma mesma série, todos saídos de uma única matriz. Não querem se dar ao trabalho de pensar, examinar as coisas, refletir sobre se as avaliações que lhes mandam prontas são palatáveis ou não. Vão logo engolindo! Parecem avestruzes! Aliás, que as aves me perdoem usar o nome de sua espécie num sentido pejorativo. Mas as pessoas não querem conceber idéias, compram-nas prontas e o assunto tá resolvido.
Agora, se você não quer enfrentar o tipo de problema que enfrento, vou-lhe dar agora algumas orientações - ou "dicas", que é como se gosta muito atualmente de falar. Vamos lá.
Primeiro, não questione a coisa religiosa: se tá escrito na Bíblia é porque é verdade - não fique aí pensando. Aprenda a gostar de "BBB", "A Fazenda" e outras bostas do mesmo tipo, e ainda ache que aqueles caras são todos grandes artistas, de talento inegável e indubitável, porque o grande artista, digno da expressão, fica durante três meses dentro de uma casa, coçando o saco e "trepando" debaixo de edredons enquanto se envolve em inúmeras fofoquinhas baratas e disse-me-disses. Se tem um filho em idade escolar, aconselhe-o a não estudar e fazer de tudo para ser um famoso "big brother". Goste de música titiquinha, essas de trechos curtinhos sempre muito repetitivos, de preferência com duplo sentido e bastante sacanagem no meio. É o ideal. Há uma porrada de pagodes e "funks" por aí com este perfil. Goste de novela: é tudo na vida. Um cara que não se interessa por draminha barato é um inculto, um ignorante. Ame os passeios à região dos lagos e sobretudo os engarrafamentos da Rio-Niterói. E de preferência ligue o som do seu carro bem alto quando estiver no congestionamento, porque barulho nos tímpanos dos outros é, como se diz, tudo de bom. Quando for votar, escolha os políticos mais conhecidos e os mais benquistos pela mídia. Afinal, você está aí para votar, não para pensar. Comova-se com todos os discursos baratos e demagógicos desses caras e, se possível, chore com eles se for o caso; se não for o caso, chore por eles: lágrimas dão um toque de sentimentalismo vagabundo todo especial ao discurso político. Procure sempre ir a restaurantes aos domingos à tarde, principalmente nos dias festivos. Uma boa fila e um restaurante lotado são o que há de melhor para você provar que é igualzinho aos outros. Puxe o saco de qualquer um que tenha dinheiro ou poder. As pessoas acham o puxassaquismo muito positivo e ficam orgulhosas de si quando um sujeito de grana, poderoso ou famoso as cumprimentam com um breve e quase desdenhoso gesto de sobrancelhas. Frequente festas de ruas e ajuntamentos, por mais que eles sejam incômodos, perigosos ou violentos: afinal de contas, você não é um chato.
Eu poderia dar-lhe outras tantas sugestões, mas eu prefiro que você tome estas poucas como ponto de partida, enquanto trabalhamos para a mídia criar o manual do pensamento padronizado. É isso aí, gente! Todo mundo sempre pensando igual!

2010

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